sábado, 15 de abril de 1995

Fora de Controlo - Outbreak. Comentário Crítico

Depois de “Linha de Fogo”, um thriller com Clint Eastwood, o realizador que começou pela curta-metragem e por séries televisivas, notabilizando-se depois em longas metragens como “O Submarino” (Das Boot, 1981), em que também fazem parte do seu curriculum “Die Konsequenz” (1977), “Os Inimigos” (1985) e “Pulsações Explosivas” (1991) - uma breve passagem pelo cinema independente -, regressa, desta vez com Dustin Hoffman, com “Fora de Controlo”.

Deste modo Wolfgang Peterson, de nacionalidade alemã, nascido em 14 de Março de 1941, na cidade de Emden, demonstra assim a sua atracção por Hollywood, cimentando a sua reputação na indústria cinematográfica americana.

De facto “Fora de Controlo” é então um trabalho de ficção, baseado na obra de Richard Preston, “The Hot Zone”, em que o aparecimento de um novo vírus, mortal, transmitido por um macaco provoca uma crise incontrolável.

A história tem início numa aldeia no Zaire, em que pela primeira vez foi detectado o vírus, e que é destruída por uma explosão nuclear ordenada pelo General McClintock (Donald Sutherland), pensando este ser a melhor forma de acabar com o vírus. Mas o vírus aparece de novo, décadas depois, nos EUA, e perante o mesmo problema o General toma a mesma atitude, enfrentando desta vez a oposição do Coronel Sam Daniels (Dustin Hoffman), este último pertencendo ao Instituto de Pesquisas de Doenças Infecciosas, um departamento do exército.

É então que a partir daqui, e aproveitando-se do conflito de poder entre os dois militares, Peterson insere a parte mais movimentada do filme com uma perseguição de helicópteros mediana.

Pode-se dizer que o filme confronta, através das personagens em conflito, o General McClintock e o Coronel Sam Daniels, duas posições em jogo, questionando o uso de armas bacteriológicas, e o aproveitamento da epidemia para a tornar numa nova arma; e também se enquanto médicos e cientistas e militares terem de decidir entre tentarem curar as pessoas infectadas, e salvaguardarem a cura possuindo assim uma poderosa arma, que se tornaria um enorme trunfo em futuros conflitos armados.

Desta forma, a ideia base é bastante interessante, mas enquanto obra cinematográfica, ela perde fiabilidade devido ao espectáculo presente e também à forte componente de entretenimento. Assim, Wolfgang Peterson perdeu uma excelente oportunidade de construir uma obra que poderia vir a ser considerado um marco, não só a nível cinematográfico, mas também a nível social e científico, trazendo para a ribalta um tema de grande controvérsia. Isto porque o tema foi quase que atropelado pela vertente comercial que lhe foi imprimida. É de realçar a forma algo medíocre do final do filme, em que Sam Daniels beija a esposa (Rene Russo), também ela cientista, e que tinha sido infectada pelo vírus, ao qual ela responde da seguinte forma: “Agora que tenho os anticorpos!”, que viriam a ser as últimas palavras do filme, notando-se aqui um tratamento algo superficial, em que durante todo o filme a sua história foi bastante mais interessante do que a sua execução formal.

Do filme salva-se a interpretação de Dustin Hoffman, tão igual a si próprio, embora não seja o tipo de papel adequado para ele.

Um filme de Wolfgang Peterson, com Dustin Hoffman, Rene Russo, Morgan Freeman e Donald Sutherland.

domingo, 15 de janeiro de 1995

A Morte Também tem Pena

Há mais de um século que não há pena de morte em Portugal. Em muitos países, porém, continua a ser aplicada frequentemente, enquanto noutros se pensa em voltar a ela. Que pena!

Cento e seis países espalhados por todo o mundo, mantinham em vigor, no decorrer de 1992, a pena de morte. Entre estes, encontram-se por exemplo, os Estados Unidos, a África do Sul, Albânia, República Popular da China, Índia, Indonésia, Coreia do Sul, Kuwait, Marrocos, Arábia Saudita, Nigéria, Tunísia, Turquia e algumas repúblicas da ex-URSS. No mesmo ano, 44 países eram totalmente abolicionistas, isto é, eliminaram a pena de morte, deixaram de a aplicar a crimes ordinários e não se aplicava a pena capital há 10 anos em 21 países, apesar de continuar prevista nas respectivas legislações. Em Portugal, a pena de morte foi abolida em 1867.

Segundo a Amnistia Internacional (AI), 2086 pessoas foram executadas em 32 países em 1991, enquanto outras 2703 foram condenadas à morte em 63 países. No entanto, esta organização supõe que terão sido mais os sentenciados. No mínimo, 1084 pessoas terão sido executadas só na República Popular da China e 775 no Irão, ou seja, 89% das execuções desse ano.

1001 maneiras de matar

A pena de morte, aplicada desde a Antiguidade, tem sofrido uma evolução ao longo dos tempos, quer nos crimes que levam à sua aplicação, quer nos métodos usados na execução.

Assim, enquanto os romanos crucificavam, decapitavam ou lançavam os cristãos às feras, cerca de um milénio mais tarde, seria a Santa Inquisição a punir os acusados de heregia, sodomia, bigamia, magia ou bruxaria, condenando-os à fogueira. Uma das mais famosas vítimas da Inquisição foi Joana D’Arc em 1441, e também em França, mas vítimas da Revolução, Luís XVI e Robespierre foram levados à guilhotina.

Hoje em dia os métodos utilizados, que vão do fuzilamento à forca, passando pela cadeira eléctrica, a injecção letal e o apredejamento, entre muitos outros, revelam uma originalidade macabra dos países que a aplicam. Há relatos sobre iranianos obrigados a saltar para uma ravina ou esmagados. Na Nigéria, a dor é prolongada ao máximo: o pelotão de fuzilamento atira primeiro aos tornozelos, faz um intervalo e volta a disparar progressivamente mais acima, até atingir a cabeça. Na Arábia Saudita, os condenados são decapitados em praça pública e os cadáveres deixados à curiosidade de quem passa durante 45 minutos. No Irão, os enforcamentos são feitos na rua e na China os condenados são mostrados às crianças antes de serem fuzilados. Nos EUA, o método de execução varia de estado para estado entre a forca, a câmara de gás, a injecção letal e a electrocussão (cadeira eléctrica).

Não à morte

Em 1987, uma iraniana acusada de adultério, julgada e condenada, foi apedrejada até morrer. Um ano mais tarde, foi absolvida mas era tarde demais.

Um estudo publicado em 1987 conclui que só neste século, e apenas nos EUA, foram executadas 23 pessoas inocentes. A irreversibilidade da pena e a sua aplicação em inocentes são argumentos utilizados por defensores da sua abolição. A AI declarou a sua total oposição a esta sanção na “Declaração de Estocolmo” de 1977. Este documento refere a pena de morte como “uma violação do direito à vida” consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, sendo a sua imposição um acto “brutalizante para todos os envolvidos no processo”. Considera ainda que a sua execução é um “acto de violência e a violência tende a gerar violência”, além de nunca se ter mostrado eficaz e ser inúmeras vezes utilizada como instrumento político. Para Sto. Agostinho, “a vida é um bem tão precioso que só Deus pode dispôr dela” acrescentando que a pena capital não pretendo o bem do delinquente que é a sua correcção. Os abolocionistas referem ainda, que um processo judicial deste tipo implica para o réu custos tão elevados, que um cidadão sem recursos para contratar um bom advogado estará condenado logo à partida. O Juiz Thurgood Marshall, do Supremo Tribunal americano, chegou mesmo a afirmar que, feitas todas as contas, sai mais caro ao Estado executar um homem do que mantê-lo perpetuamente na prisão.

Sim à morte

Se por um lado há aqueles que repudiam a pena de morte, por outro há os que defendem a sua aplicação “quando a legítima defesa do estado ou da sociedade o exigem”, acrescentando ser “o único meio para impedir a prática de certos crimes”, argumento muito utilizado pelos defensores desta pena, apesar de não haver estudos sérios que comprovem a diminuição da criminalidade graças à execução dos criminosos. Argumento curioso é o de uma colunista britânica para quem a reintrodução da pena capital na Grã-Bretanha evitaria erros judiciais na medida em que os tribunais seriam rigorosos na apreciação dos casos para não condenarem inocentes. Já houve até quem apontasse como argumento a favor a necessidade de manter a lotação das prisões dentro de limites aceitáveis.

Talvez à morte

Polémica é a posição da Igreja Católica no seu Novo Catecismo, cujo parágrafo 2266 admite “o correcto fundamento do direito e do dever da autoridade pública legítima de punir, através de penas proporcionais à gravidade do delito, sem excluir em casos de extrema gravidade a pena de morte”.

Segundo declarações do cardeal Joseph Ratzinger, do Vaticano, o catecismo coloca nas maõs da autoridade o grave peso moral de recorrer ou não a meios sangrentos, o que nas palavras de D. António Marcelino, bispo português, significa que “a Igreja não quer a pena de morte; aceita-a mas não a deseja; espera que não seja necessário chegar a ela”.

A polémica reside no facto de que adoptando esta posição a Igreja acaba por contrariar o princípio segundo o qual só Deus pode dispor da vida humana.

Um panorama optimista

Assiste-se neste momento a uma tendência abolicionista nos diversos países do mundo, muito por força de organizações como a AI ou a Comissão para os Direitos Humanso da ONU. No entanto, uma sondagem realizada em 1992 revelava que mais de metade dos italianos, por exemplo, eram favoráveis à reintrodução da pena de morte para combater o crime organizado.

A pena, em sentido lato, surge como sanção por um delito cometido tendo em conta as consequências desse mesmo delito, pretendendo a punição de quem o comete. A questão que se nos põe é então se a pena de morte está ou não de acordo com esta definição e se não constitui, em si mesma, um atentado ao direito fundamental da vida e se a sua efuicácia como controlo da criminalidade é real.

E em Portugal

Portugal foi o segundo país do mundo a abolir a pena de morte para crimes ordinários, em 1867 (San Marino fizera-o 19 anos antes), mas já tinha sido abolida para crimes políticos em 1852, no Continente, e só em 1870 estas foram extensivas ao Ultramar. Manteve-se no entanto no Código de Justiça Militar, para crimes de guerra, até à entrada em vigor da Constituição de 1976. Depois do nosso país, tornaram-se abolocionistas a Holanda em 1870, a Noruega em 1905 e a Suécia em 1921.

Em relação aos países africanos de expressão oficial portuguesa, 3 são abolicionaistas: Cabo Verde desde 1981 e Moçambique e São Tomé e Príncipe desde 1990; enquanto Angola e Guiné-Bissau se encontram entre os retencionistas (existe pena de morte).

O último português condenado à forca chamava-se Francisco de Matos Lobo. Foi sentenciado em 30 de Agosto de 1841 pelas mortes de uma francesa, Adelaide Kierot, da filha e da criada, ocorridas em Lisboa.

Desde então nunca mais se aplicou este castigo e ainda hoje os portugueses o repudiam. De acordo com uma sondagem recente, 72% dos inquiridos são contra a aplicação da pena capital e apenas 24% a defendem.

Nuno Casimiro com Tito Pereira