quarta-feira, 17 de dezembro de 1997

A marginal da beira-mar e a orla costeira

ATRAVÉS do presente texto pretende-se abordar a questão do prolongamento da marginal da beira-mar (Rua 2) para Sul e da utilização turística da praia de Silvalde, lançada para a praça pública por alguns candidatos aos órgãos autárquicos Espinhenses. A abordagem será ao nível da problemática do planeamento, ordenamento e consequente ocupação da faixa litoral, visando sobretudo sensibilizar a população para esta mesma problemática que afecta grandemente a cidade de Espinho. Assim, num primeiro momento serão dados a conhecer alguns aspectos gerais das implicações da ocupação da faixa litoral nos processos naturais que aí ocorrem, e num segundo momento serão referidas algumas recomendações de ordem conceptual.

I. A ATRACÇÃO pelas praias fazem das zonas costeiras locais altamente apetecíveis para o desenvolvimento de actividades turísticas, comerciais e em alguns casos também residenciais. Este facto contribui muitas vezes para a ocupação desenfreada das faixas litorais que, acompanhada da não existência de um planeamento e ordenamento do território adequados, conduz a situações preocupantes no que respeita à evolução do litoral, preservação dos sistemas dunares e à erosão costeira, possibilitando a ocorrência de catástrofes. Embora pioneira no planeamento e ordenamento do território, a cidade de Espinho constitui, em relação a este aspecto, um bom exemplo.

IMPRUDENTEMENTE a cidade de Espinho desenvolveu-se “demasiado junto” à costa, edificando um centro populacional bastante considerável, e devido a um certo desconhecimento não atendeu ao facto de que “enquanto zona de contacto entre o espaço terrestre e o espaço marítimo, o litoral constitui, por definição um bem único e frágil” (Carta Europeia do Litoral, 1981).

NAS FAIXAS litorais localizam-se formas de relevo bastante características condicionando muitas vezes uma ecologia própria e frágil. De facto, os sistemas dunares têm uma relação bastante delicada com as praias adjacentes e com os movimentos das marés, ao ponto de pequenas alterações poderem provocar verdadeiras rupturas no equilíbrio existente. Construções, estradas ou apenas a destruição de vegetação podem alterar de tal forma a dinâmica da movimentação de areias que as dunas deveriam ser mantidas no seu estado natural.

O APROVEITAMENTO ganancioso dos recursos naturais que o mar e a própria faixa litoral oferecem (no caso de Espinho essencialmente actividades turísticas, recreativas e de lazer) com o desconhecimento dos processos que comandam a evolução do litoral, ou menosprezando-os, contribui para o rompimento do equilíbrio ecológico, no qual a erosão costeira se mostra por vezes severa, o que poderá causar grandes malefícios para as populações, principalmente para aquelas que se encontram junto da faixa litoral.

ACTUALMENTE assiste-se a uma subida generalizada e bastante rápida do nível do mar, o que desloca a faixa litoral no sentido dos continentes. Para além de processos naturais (meteorização das rochas, processos eólicos, correntes derivadas da deformação da ondulação), este fenómeno é também em grande parte provocado pelo Homem através da ocupação da faixa litoral com estruturas de recreio e de lazer, que permitindo o aumento de permanência e de deslocação de veraneantes e turistas, acelera os processos de erosão nas zonas que antecedem as praias (destruição das coberturas vegetais, alargamento dos corredores de erosão provocados pelo vento, etc.) e da implantação de estruturas pesadas de protecção contra a erosão das praias (que, muitas vezes, não resultam no efeito esperado).

HÁ JÁ algum tempo que o Homem reconheceu que as estruturas, que construiu para aproveitar os recursos do litoral, foram destruídas (recordar as várias “invasões” do mar que Espinho já sofreu), ou encontram-se ameaçadas de destruição.

II. ESTES desequilíbrios podem ser minimizados, ou até mesmo evitados, através de “limitações positivas de salvaguardas estritas e semelhantes de consensos bastante alargados, sobretudo os relativos aos sistemas dunares (...) a áreas em que esses valores são mesmo evidentes”(Nuno Portas), isto é, proteger integralmente a antepraia, delimitando uma zona em que seja proibida aí a construção de edifícios, estradas, etc. de forma a não contrariar a dinâmica da faixa litoral. Devem-se, contudo, considerar algumas excepções, apenas consentidas após investigações que forneçam de forma segura informações acerca das características da ondulação, das correntes e das marés, bem como características das movimentações de areias.

FINALMENTE, tendo em conta o que já se referiu e ainda as recomendações previstas no POOC (Plano de Ordenamento da Orla Costeira), Anexo II, no qual a abertura de estradas paralelas à costa deve ser evitada, o acesso à praia deve ser promovido através de ramais perpendiculares à linha de costa, localizados em pontos criteriosamente escolhidos para o efeito. Concluindo, o prolongamento da marginal da beira-mar surge assim como uma medida condenada à não realização, fazendo supor que serviu para preencher os “manifestos” eleitorais dos candidatos, porque com certeza não terá tido algum suporte técnico.