quarta-feira, 7 de março de 2001

Planeamento: do Copy Paste ao Copyright - uma nova filosofia

Introdução

Gravosas são as formas como têm crescido as nossas cidades e a inexistência de políticas corretoras de um urbanismo expansivo, predador de solo e de recursos naturais, paisagísticos e patrimoniais. A falta de adequadas políticas de desenvolvimento económico e social tem a sua tradução nos desequilíbrios e na desorganização do território, no crescimento espontâneo e casuístico, sem gestão planeada da transformação territorial.

O urbanismo caótico, especulativo que tem predominado tende a acentuar esses fenómenos em vez de os corrigir. Os ritmos de urbanização, a tradicional falta de uma cultura urbana e de instrumentos eficazes de ordenamento (planeamento e gestão) explicam o sucedido. Só que não se pode hoje continuar indiferente a situações que persistem e a erros que se acumulam: a prática de planeamento tem de passar por uma mudança de direcção, da ênfase exclusiva num planeamento tradicional para uma estrutura de planeamento estratégico e orientado para a acção.

Os planos tradicionais esses muito influenciados por um corpo intelectual baseado em valores que assentam na capacidade do homem em controlar a natureza e a sociedade. Mais especificamente os planos de uso de solo são essencialmente planos de zonamento. Os diferentes planos de uso de solo consistem numa representação gráfica e num regulamento que contêm as prescrições para o uso do solo nas diferentes zonas / partes. Da extrapolação das actividades e dos usos existentes estes planos determinam o uso exacto de todo o território pela indicação precisa numa série de áreas coloridas e/ou de diferentes texturas num mapa, e assim ditando a ocupação do solo em cada pedaço de terreno. Estes planos tornam-se vinculativos, os PDM por exemplo, tornam-se leis locais que só podem ser alteradas por outro plano aprovado da mesma forma e na mesma pelo governo central. Ajustamentos aos planos são teoricamente possíveis só através de correcções detalhadas ao mesmo nível de planeamento e da elaboração de um plano completamente novo e sujeito a aprovação legal.

A Actividade e os Planos

Muito de relance poder-se-à dizer que o planeamento emergiu como uma actividade profissional derivativa. Inicialmente foram sobretudo arquitectos e engenheiros, mas também geógrafos, economistas e sociólogos que desenvolveram e/ou contribuíram para esquemas de planeamento então eminentemente físico. No qual estes profissionais aprenderam o seu ofício nos ateliers, através da experiência.

Sem prejuízo de realizações anteriores, o grande esforço de planeamento do território em Portugal deu-se a partir dos anos ’80 com especial incidência nos anos ’90 após a regulamentação dos planos municipais de ordenamento do território. É actualmente reconhecido que ao tempo destes primeiros planos o corpo profissional era composto por poucos elementos com uma formação formal em planeamento e de novo variadas disciplinas participam na actividade de planeamento e aprendem as “artes do ofício”...

Relativamente a estes planos já muito se tem dito e escrito: da "cenoura à frente do burro" à subalternização do planeamento em relação à política partidária e ao planeamento eleitoralista. Estes planos resultaram da imposição do Governo Central e não propriamente de uma verdadeira consciencialização no que respeita à problemática do planeamento regional e urbano. Planos sacrificados pelo programa eleitoral: O programa político tem de ser realizado a todo o custo antes das eleições. Os executivos têm de se apresentar aos eleitores como "fazedores".

Este método de trabalho resultou/resulta numa falta de coerência, quando muito numa coerência parcial, na perda de iniciativas, na selecção de projectos assente no oportunismo, e em processos de decisão paralelos (grandes decisões tomadas numa base de política partidária e impostas à secção de planeamento e às comunidades). Falta de visão integradora. Planos vistos como elementos fechados, os quais através de um conjunto de critérios se transformam num sistema de permissões: sim / não. Não mencionam explicitamente horizontes temporais, programas de acção, instrumentos, prioridades, esquemas de financiamento.

Importa evoluir deste tipo de planeamento tradicional, blue print, para um género de planeamento mais estratégico.

Planeamento: do Copy Paste ao Copyright
- Uma Nova Filosofia


Tradicionalmente, a cidade foi sinónimo de vida comunitária, de liberdade, de inovação, de bem estar social, cultural e material. Urbanidade e cidadania estão histórica e etimologicamente ligados à cidade que polariza a inovação, a criatividade, a cultura, o progresso social e a democracia. Com a globalização e os fenómenos ditos pós-modernos, acentua-se a fragmentação espacial e social da cidade. Actualmente, um dos maiores desafios é o de tornar habitáveis, humanas, seguras e funcionais, atractivas e competitivas as cidades. Cresce um sentimento de que é necessário o emergir de uma nova abordagem às questões do planeamento baseada na noção psicológica de tempo: especificamente, nas interacções cronológicas entre os elementos normativos e não normativos. Isto pede uma coordenação entre uma abordagem normativa e exploratória às condições futuras dos objectos de uma política.

De um planeamento tradicional centralizado e passivo tem de se mover para uma nova abordagem mais estratégica em direcção a uma forma de planeamento orientada para a acção integrando atitudes básicas como o desenvolvimento sustentável, a ideia de subsidariedade, a integração de actores chave (públicos e privados) no processo de planeamento e a introdução de novos conceitos de planeamento espacial e estratégico.

Quer-se com isto afirmar a importância da necessidade de abandonar um planeamento "Copy Paste", que copia e aplica modelos indiscriminadamente, desenraizados dos territórios e das comunidades que está a tratar, para um planeamento Copyright, não no sentido dos direitos de autor/propriedade, mas no sentido de que cada plano respeita as realidades do território que abrange! Isto é, um planeamento no qual se faz um uso "criativo" da informação e do conhecimento e a consequente transformação em compreensão.

Criativo, não no significado artístico, da "invenção", mas um uso criativo baseado na capacidade de ler espacial, social, e economicamente o território, conhecer, interpretar e compreender as dinâmicas e as tendências, e na resposta às particularidades relevantes que cada novo caso apresenta na definição das estratégias, dos programas, dos projectos, e das acções.
Entre muitas outras coisas é importante:

: Recriar os espaços e as condições da cidadania, do encontro e debate dos projectos da vida colectiva e de participação no governo das cidades

: Criação de emprego, designadamente em novas áreas e sectores dos serviços urbanos de apoio social às comunidades

: Garantir a sustentabilidade e a qualidade ambiental das áreas e actividades urbanas

: Promover o adequado equilíbrio das complementaridades urbano-rurais

: Promover a articulação e integração das políticas e intervenções públicas que incidem sobre as cidades

Importa reconhecer que a gestão das cidades não é, mais, um domínio exclusivo dos órgãos autárquicos e da administração pública. As opções estratégicas, a concepção e implementação das políticas urbanas têm de ser partilhadas e contratualizadas, aos diversos níveis, com as organizações da sociedade civil, os actores urbanos e os cidadãos.

Clarificando, pretende-se um planeamento mais pró-activo, e não reactivo, e que envolve a evolução de um planeamento que se centra na regulamentação da intervenção privada em direcção a um planeamento que procura uma desenvolvimento através da interacção entre os interesses e as estratégias dos vários intervenientes.

Esta abordagem segue através, não da definição do que as várias partes devem fazer, mas do enquadramento das actividades dos actores e dos agentes num esforço comum que incentive o alcance de preocupações partilhadas no que respeita às alterações no território. O território tem de ser profundamente repensado, encarado com uma nova filosofia, ou seja: passar de modelos preestabelecidos e de controlos administrativos a uma gestão processual e partilhada com os agentes do desenvolvimento.

Final

É indiscutível a contribuição do planeamento na integração das dimensões espaciais, sociais, económicas, ecológicas e ambientais nas intervenções no território. Daqui a ênfase da necessidade de formações de base abrangendo um leque de disciplinas tais como a economia, a sociologia, a ecologia, o direito, a geografia, a arquitectura, a análise tridimensional, as ciências administrativas, etc., consideradas importantes para a comunicação e o estabelecimento de pontes entre as várias disciplinas e para a constituição de um quadro substancial de referência que permita lidar com as muito frequentes reclamações sectoriais contraditórias.

Para um planeamento mais "colaborativo", com confiança mútua entre os agentes e os actores.

Para um planeamento que responsabiliza tanto os profissionais como a sociedade no seu todo como elementos envolvidos e activos na criação / construção do futuro.

Para uma nova forma de encarar o governo e a gestão das cidades. Condição para uma cidade mais justa e eficiente. Uma condição incontornável da cidadania.