quinta-feira, 21 de julho de 2005

A Propósito do Enterramento da Linha… e por uma Cidade Mais Humana

A Cidade de Espinho, ao longo da sua existência sempre conviveu com a existência do caminho de ferro, que a atravessa no sentido Norte-Sul, tendo sido um elemento contribuinte e decisivo para o desenvolvimento da cidade. O caminho de ferro faz parte integrante da identidade e da memória, do imaginário urbano colectivo da população residente, bem como dos seus visitantes.

Com o passar do tempo, aquele elemento outrora indiscutível, passou a ser olhado como algo que era detentor de uma série de inconvenientes ao nível da vivência e da fruição dos espaços, bem como da qualidade de vida, referindo-se nomeadamente à transposição de espaços, dividindo o núcleo da cidade da sua beira-mar, e também ao nível do ruído gerado pela circulação dos comboios e ao nível da segurança. Apesar da sua manutenção ser de imprescindível serviço para a população do concelho, tornou-se simultaneamente um bem necessário e útil, mas ao mesmo tempo, um bem incómodo.

No decorrer da década de ’90, foi-se instalando de forma crescente o sentimento de que algo necessitava de ser feito, e a solução referida apontava para o ‘enterramento da linha férrea’, através da construção de um troço em túnel, em que os comboios circulariam subterraneamente, libertando o espaço à superfície. A ideia não era nova, e as pretensões também não, mas foi levada mais a sério do que noutros tempos, e a classe política local lá foi reivindicando a obra, conseguindo convencer o Governo e a REFER.

Em 1999, foi então assinado um protocolo entre a Câmara Municipal de Espinho e a REFER no sentido de colaborarem para esse fim, e posteriormente foi publicado no Diário da República e no Jornal das Comunidades Europeias, o anúncio do concurso público internacional, tendo em vista a elaboração do projecto de execução das obras de rebaixamento da via do atravessamento da cidade de Espinho.

Congratulação total das ‘gentes de Espinho’, a resposta às suas aspirações chegava: comboio a passar por baixo da terra, continuando a servir a população; e por consequência a libertação de um enorme espaço à superfície de mais de 60 hectares, providenciando uma oportunidade única de levar a cabo uma intervenção de requalificação do espaço público permitindo futuramente a sua fruição segura e descontraída, podendo-se constituir como um novo ‘landmark’ e âncora de atracção de visitantes, possibilitando a realização de actividades de recreio e de lazer, e servir de palco às mais variadas manifestações de índole artístico, cultural, social e político.

Acrescente-se que dada a concordância genérica da população sobre o enterramento da linha férrea, apresenta(va)-se como uma oportunidade extraordinária de congregar os habitantes através do seu envolvimento em torno de um objectivo comum de pensamento e construção do seu espaço colectivo, naquilo que se poderia afirmar como uma intervenção enquadrável no lote das boas práticas de requalificação de áreas urbanas e dos espaços colectivos com o envolvimento efectivo da população.

É precisamente pelo distanciamento do que tem acontecido relativamente ao que se refere no parágrafo anterior a razão deste texto. Numa reunião da Assembleia Municipal, ocorrida a 17 de Maio de 1999 (decorrida após a assinatura do protocolo entre a CM Espinho e a REFER), tive a oportunidade de, enquanto munícipe, intervir no período reservado para o público, para de certa forma ir contra-corrente à discussão que tinha tido lugar, porquanto se discutia a paternidade da ideia, a mais valia e a contribuição de cada um e de cada partido para a efectivação do enterramento da linha férrea (esta parte da intervenção não está transcrita na acta, como é óbvio, mas lendo-a percebe-se claramente o teor da discussão).

Como dizia, tive aí a oportunidade de expressar a minha congratulação ‘moderada’ pela decisão do enterramento, afirmando, contudo, que mais importante do que a Assembleia discutir quem teve a ideia, deviam ser discutidas as repercussões e as transformações que tal intervenção causaria na cidade, pensando em formas de informação e envolvimento efectivo da população. Defendi ainda a necessidade de esta Assembleia se bater por um prolongamento da extensão do túnel, por forma a que aquilo que seria a resolução de um problema e de um transtorno num troço da cidade, não se transformasse num problema e em transtornos acrescidos para outras partes da cidade, nomeadamente na contribuição para o reforço do ostracismo a que tem sido votado o Bairro Piscatório / Marinha de Silvalde, e a sua população, que vive apartada da cidade em virtude das barreiras que limitam a sua sensação de pertença à cidade de Espinho: a Nascente a linha férrea, a Norte a ex-Fábrica Brandão Gomes, a Sul o campo de golfe, e a Poente, o Mar.

De lá para cá a evolução da situação não foi positiva.

A Fábrica Brandão Gomes, por exemplo, tem sido alvo de uma intervenção de renovação que deixa muito a desejar. Num primeiro momento, houve uma fase positiva, quando o corpo Poente da antiga fábrica foi demolido, permanecendo apenas o corpo Nascente, onde se localizava a frente do edifício e as suas áreas nobres, permitindo o rompimento total da barreira que constituía outrora, quer visual, quer ao nível dos movimentos.

Apesar do espaço não ter sido alvo de tratamento adequado, verificou-se um verdadeiro efeito de livre comunicação entre duas partes da mesma cidade, próximas e anteriormente distantes, em que os movimentos de circulação pedonal podiam então encurtar as distâncias através de ‘atalhos’ e diminuir o tempo de deslocação entre uma parte e outra.

Entretanto, como se tem comprovado, optou-se por uma intervenção, que se vem prolongando no tempo sem fim à vista, e cujo programa se centra nos edifícios em si, e não na construção de um espaço colectivo, assente na comunicação entre as partes de cidade, e na permeabilidade de percursos, se não motorizados, no mínimo pedonais.

Ou seja, a barreira voltou! A oportunidade de fazer cidade perdeu-se!

Por outro lado, o processo do enterramento da linha férrea foi acontecendo, quase secretamente, sem que ninguém vislumbre o que quer que seja do que vai acontecer àquele espaço. Ao longo de todo o processo, e desde o início, que se insiste numa solução que peca por não corresponder cabalmente ao que se comprometia, e que é apresentada como a única solução tecnicamente possível, como se não pudessem existir outras.

A solução apresentada assenta na construção de um túnel ferroviário de 950 metros de extensão (sensivelmente entre a Rua 11 e a Rua 37), complementada com as rampas de acesso, a Norte (desde a Ribeira do Mocho até à Rua 11), e a Sul (desde a Rua 37 passando um pouco a Ribeira de Silvalde), com extensões de cerca de 360 metros.

Ora, esta solução é limitativa, porquanto cria desigualdades e dificuldades à população da Marinha de Silvalde, onde habitam cerca de 6.000 habitantes, que vêm que esta futura infraestrutura limitará ainda mais o espaço onde se encontram agora. Atendendo a que a vala da rampa Sul de acesso ao túnel desenvolve-se precisamente defronte de um núcleo habitacional, para onde está prevista a construção de um muro de segurança de 1,5 m de altura, complementado em alguns locais por um painel acústico que elevará a altura até aos 3 m, tudo isto a apenas 4,5 m de distância da fachada principal das habitações que se encontram na via que margina a linha férrea, a Av. S. João de Deus.

Pela descrição da proposta, é totalmente inaceitável, do ponto de vista urbanístico e da qualidade do ambiente urbano, que se venha a desenvolver um muro de 3 m de altura a 4,5 m das casas, no local da Marinha de Silvalde.

Actualmente a rua em questão já se transformou, com a colocação dos taipais, numa via de sentido único, com uma largura mínima limitada à passagem de uma viatura, levantando questões de segurança relativamente à circulação pedonal e automóvel.

A ser levada a cabo tal solução só reforçará o actual carácter de ambiente urbano fragmentado e desconexo que já caracteriza esta parte da cidade, desligada das suas restantes partes. E é pela inaceitabilidade desta solução, que se pugna aqui por uma intervenção qualificadora, que providencie uma intervenção positiva extensiva também a esta ‘parte’ da cidade.

Essa ‘intervenção positiva’ passa claramente por uma solução assente no prolongamento do enterramento da linha férrea numa extensão adicional em cerca de 400 m para Sul, acontecendo a vala da rampa também mais para Sul, numa área em que não estão em causa as incompatibilidades e os inconvenientes com os usos habitacionais, recuperando, desta forma, espaços para caminhar, falar, jogar/brincar, e estar de um modo sociável.

Tal proposta pretende contribuir para a continuidade do sentido de pertença ao espaço urbano da cidade de Espinho, sem criação de barreiras físicas que impeçam a total permeabilidade e fruição dos espaços, contribuindo, de igual modo, para a integração e interligação das diferentes áreas que compõem o ambiente urbano, numa relação expressiva por forma a constituírem sequências coerentes, num âmbito mais alargado da unificação e coesão interna da cidade.

Defende-se assim a constituição de uma estrutura urbana transitável, assente na existência de redes de caminhos para peões, e outros meios de deslocação, que ligue os diferentes pontos por meio de circuitos próprios, degraus, pavimentos, passadiços, ou outros elementos de conexão que permitam a continuidade e a acessibilidade, conferindo à cidade uma dimensão humana.

Aquilo que parece ser a defesa por uma solução respeitadora do direito dos habitantes a um ambiente urbano qualificado, é recusado pela CM de Espinho e pela REFER, escudando-se no projecto ‘oficial’, argumentando que a solução apresentada é a tecnicamente possível em virtude das duas linhas de águas que limitam a Norte e a Sul a extensão do túnel previsto.

Esta posição traduz-se numa imobilidade e numa tentativa de ‘silenciar as reivindicações da população’ com argumentos técnicos falaciosos, através de linguagem ‘fechada’ e que os habitantes mais incautos e desconhecedores não dominam, ficando sem poder de argumentação, pela posição distante em que se colocam os ‘pretensos esclarecimentos oficiais’.

Não se pode aceitar, de igual modo, que um projecto desta envergadura não prepare na sua fase de estudo soluções alternativas e criativas, que tentem responder aos desafios que caracterizam a especificidade da obra.

Não se pode aceitar que a solução apresentada seja uma solução que resolve os problemas em apenas um quilómetro do troço da cidade atravessada pela linha férrea, e que cause ainda mais transtornos e problemas do que os que se vivem na actualidade com a linha à superfície, a um núcleo populacional de cerca de 6000 habitantes.

Não se pode aceitar que se escudem apenas numa razão técnica de engenharia, quando as possibilidades em engenharia são enormes. Não se pode aceitar que uma população fique refém da engenharia, quando a engenharia é que deve ser usada e trabalhada em favor da resolução dos problemas da população.

E não se pode aceitar de forma alguma a total ausência de ‘engenharia’… social e humana!

É que a cidade é caracterizada por uma estrutura complexa, de uma multiplicidade de aspectos, de diferentes características sociológicas e psicológicas, e é uma organização mutável com fins variados, com muitas funções, criada por muitos de modo rápido.

A verdade é que no tempo presente, caracterizado por uma ambiguidade e complexidade de imagens contraditórias, o mundo, e nele a cidade, está em constante mudança, evolução, progresso, e em que cada transformação pressupõe um salto qualitativo.

E não se pode perder de novo a oportunidade de dar esse salto qualitativo em Espinho. Não se pode perder de novo a oportunidade de construir e fazer cidade. Uma cidade humana! E certamente que tal não se consegue sem os seus habitantes.

sábado, 16 de julho de 2005

Que ambiente e ordenamento temos, que ambiente o ordenamento queremos?

num debate essencialmente dedicado à sensibilização para as questões do ambiente e do ordenamento do território, a intervenção debruçou-se sobretudo acerca da desmistificação da sua actividade, à relativização do planeamento e à contextualização daquilo que é a actividade e os resultados visíveis ou invisíveis no território.

após uma pequena intervenção introdutória, mais no âmbito de uma apresentação da profissão em si, e uma breve explanação sobre a existência e a necessidade da actividade de planeamento, a sessão tomou mais o sentido de uma conversa entre a audiência e o interveniente, estabelecendo-se uma plataforma de proximidade e alguma dose de informalidade que enriqueceu a postura do debate.

da sessão constatou-se que apesar do desenvolvimento da actividade de planeamento e ordenamento do território, senão qualitativo, pelo menos quantitativo, e pela existência de um sem número de planos e outras figuras que vão surgindo, o resultado é que a opinião geral é a de que não há uma relação positiva entre planeamento e o que no quotidiano se confronta no território.

aqui, desde logo, torna-se imperioso a contextualização da actividade, enredada que está numa teia de constrangimentos vários, desde regulamentares, legais, qualitativos e quantitativos, e sobretudo de défice de cidadania e de uma imensa ausência de valores no que respeita à prossecução do bem público e do bem comum, na procura de objectivos consensuais, seja no âmbito alargado, ou de uma simples comunidade.

alguns dos tópicos abordados:

- o reconhecimento de que a coexistência espacial origina tensões entre proprietários e entre proprietários e a administração

- o sistema de planeamento impõe limites aos direitos dos privados: direito de propriedade vs direito de construção; e a submissão ao interesse público e ao bem comum

- as transformações ou evoluções do papel do estado, desde o de providenciar solo para, o papel de ‘fornecedor’ de infraestruturas e de regulação da qualidade de vida e do ambiente até ao papel chave contemporâneo indutor e director do processo de desenvolvimento

- das dinâmicas: necessário o reemergir das questões da procura da ‘boa forma urbana’ e da ‘estratégia territorial’

- mudanças de escala: a necessidade de intervenção em escalas distintas e complementares: da rua ao bairro, da cidade à região…

- da mudança temática: redireccionar o enfoque da preocupação essencial de intervenção dos direitos de propriedade para a organização espacial

- dos enormes desafios: eficiência do mercado, assegurar a equidade, assegurar a qualidade, e providenciar e potenciar oportunidades

- da constatação de que a forma como o planeamento espacial é feito reflecte a capacidade da sociedade para a colaboração em vários níveis

- da necessidade de planeamento e das dificuldades em lidar com as desigualdades: estilos de vida, qualidade(s) de vida(s), actividades

das recomendações:
- congregar numa base regional os vários sectores
- identificar os pontos estratégicos comuns
- constituir / construir a capacidade institucional de os alcançar

finalmente: a questão da dimensão espacial e ambiental
- qualidade dos sítios, qualidade dos sítios para habitar, qualidade dos sítios para as actividades e os negócios, como parte dos sistemas ecológicos naturais, e como expressão de um sentido cultural