quinta-feira, 24 de abril de 2008

Crónica Anacrónica para um Ataque Organizacional

A sociedade avança num ritmo frenético, incapaz de domar o impulso acelerativo. Com uma cadência de mudança crescentemente febril e acelerada, é preponderante aumentar as capacidades de adaptabilidade, i.e. a rapidez e a facilidade de adaptação à mudança constante.

O amanhã precisa de cidadãos capazes de julgar e decidir criteriosamente, de abrir o seu caminho através de novos ambientes, e de acompanhar sem dificuldade a transformação rápida e constante da realidade, para o qual a educação, a formação e a qualificação são factores decisivos e pilares com forte expressão na estrutura de desenvolvimento pessoal e humano, e são condições indispensáveis de suporte às exigências de desenvolvimento das economias baseadas no conhecimento.

Apesar da aproximação constante e vertiginosa, é evidente que o sistema de ensino não acompanha o ritmo da mudança, num anacronismo sem remédio quando, pese embora o discurso sobre o futuro, as escolas estão voltadas para o passado.

Não se presuma aqui que o sistema não está a evoluir, mas as medidas não são mais do que tentativas para aperfeiçoar uma engrenagem que a torna ainda mais eficaz na prossecução de objectivos obsoletos, baseadas na inércia e no conflito de correntes académicas, empenhadas em aumentar a sua relevância, importância e influência sociais.

O sistema educativo português tem-se traduzido num gigantesco reprodutor de ignorância, aprisionado numa fórmula de ensino salsicha, baseado na ideia da reunião e concentração de multidões de estudantes destinados a serem processados por um “sistema produtivo” numa escola centralizada, onde imperam a arregimentação, a falta de individualismo, a frequência escolar compulsatória, num sistema de ensino que está a funcionar perigosamente mal, e o que passa por ensino não é mais do que uma forma empenhada de transformar os indivíduos em anacronismos vivos, que padece de males como:

  • estruturas organizacionais padrão invariáveis, assentes em unidades básicas sustentadas numa obsoleta estandardização das escolas;
  • os programas são os mesmos, ou quando muito com mínimas e relutantes variações de escola para escola, reflectindo exigências vocacionais de uma sociedade em vias de extinção;
  • na generalidade dos casos, os próprios recintos e espaços educativos resultam de uma outra padronização física e modular, bem como as designações indiferenciadas da toponímia escolar, sem interpenetrações na comunidade;
  • os indivíduos não adquirem experiências de outras formas de organização, de problemas de mudança de uma estrutura para outra, não se adequam a uma necessária versatilidade de papéis;
  • os indivíduos passam pelo sistema educacional sem terem sido obrigados, uma única vez, a procurar as contradições das escalas de valores, a analisar a fundo os objectivos de vida, ou a discutir abertamente tais assuntos;
  • um sistema de ensino que prepara os indivíduos para um nicho relativamente permanente, para uma ordem social e económica estatizante e imobilista.

O resultado é, pois, um panorama desolador, em que após avultados investimentos, o retrato é o de uma população que continua a apresentar baixos níveis de qualificação, num diagnóstico bastante crítico, no contexto nacional, e agravado no contexto europeu:

  • três em cada quatro pessoas com idade para trabalhar nunca passou do 9.º ano (para um em cada quatro na Europa a 27;
  • pouco mais de um décimo da população activa concluiu o ensino secundário (a média comunitária, incluindo os países do alargamento é de 50%);
  • e quanto ao ensino superior o panorama da população com grau superior também não é muito animador, em contraste claro com a dinâmica de países como a Espanha e a Irlanda que ultrapassaram a média comunitária no espaço de uma geração.

É premente um “ataque organizacional” a começar por questionar o seu próprio statu quo, e prosseguir rumo à diversidade, à descentralização, e à interpenetração na comunidade, transformando a estrutura organizacional do sistema educativo, revolucionando os currículos, e encorajando uma orientação mais voltada para o futuro.

A sociedade está a ser alvo de diferenciação. Assim como a diversidade genética favorece a sobrevivência das espécies, assim a diversidade educacional aumenta as probabilidades de sobrevivência das sociedades.

Tem que se proporcionar aos indivíduos a aquisição de experiências diversificadas e com outras formas de organização, convivendo com problemas de mudança de uma estrutura para outra, e adequando-se a uma imperiosa versatilidade de papéis.

É importante promover o espírito crítico e o pensamento relacional, a procura de contradições das escalas de valores, a análise a fundo dos objectivos de vida, e o debate aberto sobre as mais variadas temáticas no seio da comunidade.

Para tal, não se deve presumir que todas as matérias ensinadas hoje o são por uma razão, mas sim partir da premissa inversa, integrando nos programas o que tiver justificação em termos de futuro, ainda que tal obrigue a suprimir uma boa parte dos programas tradicionais.

Esta não é uma declaração anticultural, mas a assumpção de que a rápida caducidade do conhecimento e o aumento da duração da vida demonstram que técnicas aprendidas na juventude dificilmente terão valor à medida que a idade avança.

Em substituição dos programas estandardizados, expondo os indivíduos aos mesmos dados-base, é fulcral proporcionar dados muito diversificados, aumentando as possibilidades de escolha entre especialidades variadas, garantindo uma vasta gama de aptidões.

Simultaneamente, é necessário prever pontos de referência comuns, num sistema de aptidões necessárias à comunicação e à integração social, englobando o aprender a aprender, o ensinar a si próprio, a capacidade de classificação e reclassificação de informação, a abstracção e concretização, a adesão e o abandono de ideias, a criatividade e expressão, a reflexão, a ponderação, a escolha, e a decisão…

É pois necessário:

  • Um sistema de ensino em que, desde o início, se discipline, se exija, se ensine, se trabalhe, se aprenda, se responsabilize e se retribua de acordo com os méritos efectivamente revelados por cada um; se garanta a disciplina nas aulas, se baseie em programas actualizados, úteis e interessantes;
  • Um sistema de formação de activos baseado na selecção das aprendizagens mais úteis, com programas bem definidos, formadores previamente qualificados e avaliados, duração mínima indispensável, prestação de provas, fiscalização da aprendizagem e informação sobre a qualidade, a assiduidade e os resultados obtidos.

Esta é uma forma de abanar, de promover a mudança e de estimular à acção, e não de deprimir, afastando um falso optimismo bacoco e ultrapassado, e expressando uma exigência cívica que não se compadece com retóricas ou ilusões. Não nos podemos conformar, e acreditamos que é possível fazer melhor.

2 comentários:

tmnp disse...

Publico aqui, com a devida vénia e permissão, o comentário de Conceição Bessa Ruão, que me enviou por correio electrónico.

«Julgo ser este um artigo de opinião e nesta base, aqui ficam algumas questões, que as olhará como entender, pois seriam diferentes se introdução a um plano de acção ou revisão curricular.

Nesta base:

O seu penúltimo parágrafo é decisivo em relação às ideias mestras que pretende fazer emergir.

Há diferentes níveis de ensino, mas seja qual ele for, há uma questão que é incontornável e a base de todo o alicerce educacional e aptidional – trabalho, investigação, demonstração e persistência, persistência, persistência… seja qual for o nível de ensino e de aprendizagem, que esteja em causa.

O segredo está em ser capaz de definir os conteúdos e as doses para cada nível, os parâmetros e os indicadores quer de execução quer de resultado, exigindo-se por este facto, monitorização. Os princípios de gestão cabem aqui integralmente e são estes os conceitos que as pessoas não querem assumir e monitorizar, para avaliar.

Todos nós precisamos de referências, pois quando chegamos a qualquer ramo da ciência, do conhecimento, do trabalho, nós somos referenciados em relação a outros. Ora, sou em absoluto a favor de um conjunto de denominadores comuns que passem pela aquisição de conhecimento, demonstração lógica de aparentes evidências, de lógica matemática e evolutiva, de indução de conteúdos capazes de gerarem interpretação, investigação, raciocínios fundamentados - seja qual for a sua natureza, de culto e desenvolvimento de capacidades pelo trabalho individual e colectivo, persistência, busca de consistência para o conhecimento e para a capacidade de intuir e de adaptação.

Ninguém é dono do tempo e da história. Só a capacidade de adaptação e versatilidade intelectual permitirão uma adaptação constante. No entanto, as traves mestras da linguagem e expressão, no máximo de línguas; a percepção e o questionar constante do que parece evidente, que passa por exercícios intensos e frequentes de interpretação, de análise dos elementos constitutivos de textos, documentos, dos seus resumos, como se esteja a fazer notícias para colocar on-line, desde o início, em simultâneo com a aprendizagem de línguas, criar o hábito de pensar na língua em que se expressa. Repetir os exercícios em diferentes línguas. È preciso que as pessoas ganhem mundo desde o berço e se ele não existir em casa que seja a Escola a proporcioná-lo.

O mesmo se diga para a expressão matemática, numérica, lógica…

Não há espaço para facilidades e cada momento deve ser transformado em aprendizagem e preparação para criação de níveis de exigência pessoal e colectiva.

Como o Tito, acho que a Escola, os conteúdos e muitos dos métodos estão enviesados ou nem existem, não podendo por isso estar sequer obsoletos. Mas é preciso haver conteúdos básicos comuns, estruturantes que hão-de ajudar a fazer o caminho da criação e desenvolvimento da massa crítica.

O artigo é demasiado extenso em termos de identificação de problemas; consegue fazer uma “floresta” de problemas, de questões em aberto, mas é preciso ir um pouco mais longe em termos de propostas concretas, ainda que seja pelo simples “deixar de perguntas no ar” quanto a hipóteses de caminhos e não apenas de tendências.

Com muita estima, aqui fica um abraço e continuação de boa discussão.
Conceição Bessa Ruão»

Carol disse...

O teu post está muito bem estruturado e assenta em princípios que há muito defendo.
O ensino tem de ser melhorado e isso também passa pela implementação de um ensino de exigência.
A Escola deve exigir trabalho, mas necessita de dar as condições necessárias para isso.
Para além disso, é fundamental que toda a sociedade passe a reger-se por essa ideia e deixar de lado o facilitismo que se institucionalizou a todos os níveis.