segunda-feira, 10 de outubro de 2005

pós eleições

ele há fases em que decididamente vamos na torrente e na enxurrada dos acontecimentos, sem freios e sem tempos para reflectir, e as decisões são tomadas a cada momento que passa, sem que tenhamos a consciência de que a cada instante acabamos de tomar uma decisão, omitindo a completa existência de consequências dessas mesmas decisões.

não é que não seja sempre assim, em que somos levados pelos acontecimentos, e não os conduzamos nós próprios. mas aqui parece-me haver um grande equívoco, porquanto entendo que a margem de manobra na condução dos acontecimentos é mínima. por vezes, convencemo-nos de que teremos tal poder de dirigir o veículo da existência. vive-se no paradigma da modernidade e da tecnologia, onde está disseminado o entendimento de que o homem atingiu tal estado de evolução e conhecimento de que domina o seu destino, a natureza, e as suas manifestações nas mais variadas formas. não me parece que seja assim, aliás como se tem comprovado com inúmeros casos ocorridos neste ano (este e este, por exemplo). mas esse tema é para outras conversas.

serve este intróito para contextualizar o facto, ou os factos recentes, em que sem que algo o fizesse prever, me tenha envolvido numa candidatura aos órgãos autárquicos do concelho de espinho. não tive qualquer pejo em aceitar este desafio. para mais quando me é característica esta força intrínseca de um entendimento de uma postura aberta à participação nas suas mais variadas formas. mas também não se pense que abracei este desafio só porque sim. tratava-se de uma candidatura independente, ou talvez seja melhor dito, apartidária, onde procurei garantias de independência e de respeito pela individualidade e pela participação activa, que se vieram a verificar: tive oportunidade e espaço para expressar e defender as minhas ideias, mesmo que diferentes de outros membros das listas, contribui decisivamente para a construção dos princípios gerais programáticos da candidatura e para o programa eleitoral, participei em acções de campanha, e representei o movimento no único debate ocorrido com a presença de todas as forças candidatas à câmara municipal.

quando já tudo aconteceu: pré-campanha, campanha, votação, e quando já são conhecidos os resultados, tornava-se imperioso transmitir aqui alguma reflexão sobre o tempo decorrido, para além dos flashes telegráficos que aqui fui deixando. é nesse sentido que escrevo estas linhas.

muitas coisas poderia eu dizer sobre a participação numa (nesta) lista, sobre as eleições, sobre a campanha, sobre a percepção pública, etc. etc. mas não pretendo, neste espaço, ser exaustivo nessa elencagem.

existem, no entanto, elementos que de um modo genérico são representativos dos actuais tempos de vivência sócio-política e do estado de desenvolvimento da cidadania em portugal.

esta experiência mostrou, pelo menos neste caso específico, que a abertura para movimentos apartidários é mínima, numa vida política arregimentada pelos partidos que não abrem espaço à verdadeira discussão dos temas que interessam às comunidade, antes colocando as eleições num patamar competitivo do género desportivo ou clubístico, em que não importam necessariamente as ideias, mas o ‘clube partidário’. em boa verdade, não foi uma grande surpresa, foi mais a constatação verídica da sua existência, e em boa medida a verificação de uma incapacidade de mudança.

fala-se amiúde do modo como se conduzem as campanhas políticas em portugal. sempre tive o entendimento de que as principais forças políticas e as suas figuras mais destacadas tinham e têm o dever de levar a cabo campanhas positivas. após esta experiência, vi-me obrigado a perspectivar as campanhas eleitorais de um outro ponto de vista: não é possível, em portugal, e nesta conjuntura, conduzir campanhas eleitorais, ditas ‘elevadas e decentes’: a população (está bem, pronto: uma grande fatia da população) pura e simplesmente não quer discutir nada, quer é festança e arruaça! também aqui, não revelo toda a minha ingenuidade, pois quanto a este aspecto, como costumo dizer: o ‘povo’ tem aquilo que merece e que escolhe!

daí que não seja nada apologista, e talvez fundamentalista nessa luta contra a ideia disseminada no português comum que culpa e/ou responsabiliza os políticos e todos os dirigentes da nação, ou até mesmo da colectividade mais insignificante, por todos os males e mais algum, sem que esses mesmos indivíduos mexam uma palha que seja para alterar a situação! mas adiante que o texto já vai longo.

só para exemplificar, acho extremamente inacreditável como indivíduos literalmente guerreiam pela ‘oferta’ de uma banal esferográfica, isqueiro, boné ou t-shirt. já nesse nível acho um pouco exagerado, mas dá mesmo a sensação de que necessitam impreterivelmente da ‘oferta’ de tais objectos, parecendo que as suas vidas dependem decisivamente desse facto. só visto! (depois admirem-se que nos estamos a afastar da europa, que os países do leste nos estão a ultrapassar, que ganham pouco, etc etc… admirem-se, admirem-se…)

há também o reconhecimento e a verificação da existência de múltiplas e mais variadas razões e combinações de razões que levam os indivíduos a produzirem as suas opções no que respeita ao sentido do voto, desde as mais mesquinhas, às mais documentadas e sustentadas com base na racionalidade das opções políticas em jogo. não que seja nada de novo. cada indivíduo encerra em si uma escolha e uma multiplicidade de elementos concorrentes para essa mesma escolha, diferenciados aos demais indivíduos. haverá sempre razões mais ou menos genéricas e comuns ou transversais. mas na verdade, dá vontade de rir quando se ouvem os comentadores políticos do alto das suas poltronas, ou até mesmo os senhores eleitos, ou os não eleitos, a analisarem os resultados finais como se de um bolo único aqueles votos tivessem resultado e que signifiquem que todos os que conduziram a um determinado quantitativo eleitoral expressaram a mesma razão ou leitura que fazem com esses valores.

bem, escrevo, escrevo, escrevo, mas ainda não disse nada quanto aos resultados. perdoem-me a sinceridade, mas como se verifica pela quantidade de votantes no movimento força espinho, os resultados foram algo decepcionantes. sim, sem dúvida que há uma série de atenuantes, e razões mais ou menos objectivas que terão contribuído para que a fasquia não pudesse ser muito elevada. ainda assim, foi decepcionante. tenho no entanto que salvaguardar e contextualizar a minha posição e a minha esperança anterior à votação sobre o resultado que entendia ser possível. esperava um resultado assombroso? não esperava. esperava ser eleito? não esperava? então? entendia que fosse possível eleger um elemento para a assembleia municipal e até dois elementos para a assembleia de freguesia de silvalde. e para a câmara municipal? não, de todo.

os resultados? ditaram apenas a eleição de um representante na assembleia de freguesia de silvalde, num cenário em que o vencedor obteve maioria absoluta.

em todo o caso, caracterizo esta como uma experiência enriquecedora, pedagógica e de grande aprendizagem. ressalvo também a postura global que a candidatura assumiu, conduzindo uma campanha séria e dedicada. saliento a importância da capacidade de apresentar e divulgar um programa eleitoral amplo, construído de base, e com propostas valiosas.

fechando o círculo, voltando ao intróito, os acontecimentos podem ocorrer a um ritmo demasiado rápido, como que escapando ao controlo, no sentido de parecer que não se tem rédeas no caminho a seguir. julgo que nesse particular, é importante é a cada momento saber onde se está, ou talvez mais importante ainda, não se saber para onde se vai, mas saber para onde não se deve ir:

não sei por onde vou,
não sei para onde vou
sei que não vou por aí!
josé régio

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Entrevista ao jornal Defesa de Espinho

Como surgiu esta sua candidatura à Assembleia Municipal, nas listas do Movimento Independente Força Espinho?
Surgiu através do convite que me foi endereçado pelo Dr. Correia de Araújo e pela Maria Goreti, os grandes dinamizadores e impulsionadores da Força Espinho.

E porque resolveu aceitar?
Entendi aceitar, desde logo, por se tratar de um movimento independente, constituído por um conjunto de cidadãos que se propõem trabalhar em conjunto em prol do Concelho de Espinho, sem estarem presos aos ditames e aos directórios das estruturas partidários, que muitas vezes colocam o interesse particular do partido à frente dos interesses, que devem ser soberanos, do desenvolvimento de Espinho. Por outro lado, porque acredito na cidadania participativa, e desse ponto de vista, é-me dada a oportunidade de participar e de contribuir, de forma independente e activa, nos desafios que se colocam ao Concelho.

No entanto é novo nestas andanças?
Se se refere à questão da participação na vida política ‘formal’ se assim se pode dizer, é um facto. Se se entender a participação e a vida política de uma forma mais ampla, então pode-se dizer que tenho tido já algumas experiências, nomeadamente no domínio do associativismo, para além de um acompanhamento relativamente atento da cena política do Concelho, onde tenho assistido a várias sessões da Assembleia Municipal, onde, inclusive, intervim recentemente no período do público, numa acção a favor do prolongamento do enterramento da linha férrea, no âmbito da participação no Movimento Pró-enterramento da Linha Férrea na Marinha de Silvalde (MOPELIM).

É uma questão que saltou recentemente para a agenda do combate político…
Sim, sem dúvida. Surgiu porque as pessoas e os habitantes só agora, com o decorrer das obras é que começaram a perceber os verdadeiros efeitos e impactos da mesma, e revoltaram-se com a situação. E dada a proximidade de eleições é natural que algumas forças tenham querido tirar proveitos políticos de forma indecorosa, porquanto até então nada tinham feito, defendendo até o actual projecto. Mas a minha posição não vem de agora, apenas com o revolver das águas. Já no início de todo o processo, ainda em 1999, tive oportunidade de intervir na Assembleia Municipal e de chamar a atenção para a necessidade da área da Marinha ser considerada nesta intervenção por forma a que aquilo que seria a resolução de um problema e de um transtorno num troço da cidade, não se transformasse num problema e em transtornos acrescidos para outras partes da cidade. Também referi a necessidade de se pensar em formas de informação e envolvimento efectivo da população, mas tal não veio a acontecer. O processo, como se sabe, tem vindo a ser mal conduzido, sem que a população alguma vez tivesse sido informada e questionada sobre o assunto. Daí toda esta situação.

Porque defende o prolongamento?
Antes de discutir o prolongamento, há uma questão prévia que é a do debate sobre a oportunidade do enterramento da linha. Se haveria ou não lugar para esta obra! Estando ultrapassada essa fase, e fazendo-se o enterramento da linha, então defendo que tal não se deve fazer à custa da criação de problemas e de transtornos acrescidos a outras partes da cidade. Mas não só por isso. Defendo o prolongamento do enterramento da linha, entendido no quadro de uma intervenção mais abrangente e ambiciosa, numa perspectiva de longo prazo, e não vista apenas na execução de uma obra solta, com o objectivo de se fazer e de mostrar obra. Esta obra que se vê, não é a obra que Espinho precisa.

Qual é essa sua proposta?
A minha proposta vai no sentido de uma intervenção qualificadora, que para além da intervenção no espaço libertado á superfície, permitindo futuramente a sua fruição segura e descontraída, se possa constituir como uma âncora de atracção de visitantes e de actividades de recreio e de lazer, e servir de palco às mais variadas manifestações de índole artístico, cultural, social e político. Mas mais do que isto é a oportunidade única, que pelos vistos se vai perder, de contribuir para a unificação e coesão interna da cidade, e da consolidação de uma nova centralidade urbana em torno do Fórum de Arte e Cultura de Espinho (FACE), da criação de um Centro Intermodal de Transportes, e da criação de um grande espaço público de praça, possibilitando também o desenvolvimento urbano qualificado da cidade para Sul.

Mas as obras estão aí, e parece difícil voltar atrás…
É verdade. Mas não se pode ver isso como uma luta perdida. Tem-se de trabalhar quotidiana e arduamente na sensibilização dos agentes políticos e dos demais cidadãos espinhenses para estas questões. O problema que se coloca é que as intervenções e as acções são pensadas para o curto prazo, para o calendário eleitoral, e é preciso mostrar obra. Ora, intervenções como a que se propõe, pressupõem uma visão mais alargada, entendida no longo prazo.

E a Força Espinho tem esse entendimento?
Os elementos que integram a Força Espinho acreditam nesse entendimento. E quem já contactou com o nosso programa eleitoral certamente que também o confirmará. Já agora, e não querendo julgar em causa própria, aproveito a oportunidade para referir a extraordinária capacidade e coragem que a Força Espinho demonstrou, enquanto movimento independente recém formado, e sem o apoio das máquinas partidárias, ao lançar um programa tão amplo, profundo e completo como este, em tão pouco tempo, com contributos de vários apoiantes e simpatizantes, para além dos elementos que a constituem. Este é de facto o espírito da Força Espinho, marcado por uma atitude de participação efectiva. E respondendo à questão, o programa deixa logo bem claro no título o que se pretende: Espinho, Rumo a 2025, cuja base de entendimento assenta precisamente na construção de uma Estratégia de Desenvolvimento do Concelho de Espinho, através do envolvimento e participação dos espinhenses.

Dito dessa forma parece que não têm estratégia?
O que dizemos é que o futuro de Espinho é uma responsabilidade partilhada, entre autarcas e munícipes, e que a estratégia vai ser construída com a contribuição de todos. Mas não se pense que a Força Espinho não tem estratégia para o Concelho! Enquanto movimento político, reflectimos sobre o futuro de Espinho, e temos os nossos próprios contributos. É nesse sentido que defendemos como objectivos globais a afirmação de Espinho no contexto regional, constituir-se como concelho de excelência para as actividades humanas, assumir-se como “cidade das cidades” (da cultura, do desporto, da formação, do ambiente, da inclusão, da inovação), projectar-se como destino turístico multifacetado e qualificado, e constituir-se como município referência em boas práticas de planeamento, urbanismo e da qualidade de vida. Agora pretendemos é que tais objectivos globais sejam conseguidos com o envolvimento da população de Espinho, porque cabe aos espinhenses assumir decisivamente o seu futuro.

Que matérias versam o Programa Eleitoral da Força Espinho?
Como dizia há pouco, o programa apresenta-se bastante composto, e é difícil de enumerar, ou de destacar uma ou outra acção em particular. Mas a verdade é que nos debruçamos em vários sectores julgados essenciais. Desde logo a Educação e a Formação, aliadas à Cultura, ao Desporto e à Juventude; o Ambiente e os Recursos Naturais, conjugados com o Planeamento e Ordenamento do Território, prestando óbvias atenções também às questões da Habitação e da Acessibilidade e Mobilidade; da Saúde e da Acção Social; e às Actividades Sócio-económicas, com especial relevo para as questões do Turismo e do Lazer; e também a administração Autárquica e o Envolvimento Cívico.

Em que é que a Força Espinho se distingue das demais candidaturas?
Bem, pelo que se foi dizendo ao longo desta conversa, e sem pretensiosismos, eu diria que em muito do que foi explanado. Mas há na verdade, uma característica intrínseca diferenciadora que é o facto de esta ser uma força constituída e construída com base na participação voluntária dos seus elementos, que congregam e partilham uma nova forma de estar e de fazer política no Concelho de Espinho. A espinha dorsal desta candidatura baseia-se efectivamente num conjunto de valores formados por preocupações de coesão e solidariedade, pelo princípio da sustentabilidade, transversabilidade e integração das políticas, por objectivos de coerência e de competitividade e, por último mas talvez mais importante que tudo, no envolvimento e na participação dos espinhenses. Se preferir, tudo se resume a uma preocupação unificadora que são as pessoas. Em resumo, a grande preocupação são as pessoas, porquanto são elas as destinatárias das políticas e das acções. De um ponto de vista emotivo, se quiser, trata-se da afirmação concreta de uma nova atitude, debaixo de um mesmo denominador comum que nos une a todos e que é o Amor por Espinho!

O que tem a dizer aos espinhenses sobre o dia 9 de Outubro?
Digo para os espinhenses unirem as suas forças em torno das nossas forças, para que Espinho seja uma grande Força. Contamos com a força de todos os espinhenses. E todos os espinhenses podem contar com a nossa força.

quinta-feira, 21 de julho de 2005

A Propósito do Enterramento da Linha… e por uma Cidade Mais Humana

A Cidade de Espinho, ao longo da sua existência sempre conviveu com a existência do caminho de ferro, que a atravessa no sentido Norte-Sul, tendo sido um elemento contribuinte e decisivo para o desenvolvimento da cidade. O caminho de ferro faz parte integrante da identidade e da memória, do imaginário urbano colectivo da população residente, bem como dos seus visitantes.

Com o passar do tempo, aquele elemento outrora indiscutível, passou a ser olhado como algo que era detentor de uma série de inconvenientes ao nível da vivência e da fruição dos espaços, bem como da qualidade de vida, referindo-se nomeadamente à transposição de espaços, dividindo o núcleo da cidade da sua beira-mar, e também ao nível do ruído gerado pela circulação dos comboios e ao nível da segurança. Apesar da sua manutenção ser de imprescindível serviço para a população do concelho, tornou-se simultaneamente um bem necessário e útil, mas ao mesmo tempo, um bem incómodo.

No decorrer da década de ’90, foi-se instalando de forma crescente o sentimento de que algo necessitava de ser feito, e a solução referida apontava para o ‘enterramento da linha férrea’, através da construção de um troço em túnel, em que os comboios circulariam subterraneamente, libertando o espaço à superfície. A ideia não era nova, e as pretensões também não, mas foi levada mais a sério do que noutros tempos, e a classe política local lá foi reivindicando a obra, conseguindo convencer o Governo e a REFER.

Em 1999, foi então assinado um protocolo entre a Câmara Municipal de Espinho e a REFER no sentido de colaborarem para esse fim, e posteriormente foi publicado no Diário da República e no Jornal das Comunidades Europeias, o anúncio do concurso público internacional, tendo em vista a elaboração do projecto de execução das obras de rebaixamento da via do atravessamento da cidade de Espinho.

Congratulação total das ‘gentes de Espinho’, a resposta às suas aspirações chegava: comboio a passar por baixo da terra, continuando a servir a população; e por consequência a libertação de um enorme espaço à superfície de mais de 60 hectares, providenciando uma oportunidade única de levar a cabo uma intervenção de requalificação do espaço público permitindo futuramente a sua fruição segura e descontraída, podendo-se constituir como um novo ‘landmark’ e âncora de atracção de visitantes, possibilitando a realização de actividades de recreio e de lazer, e servir de palco às mais variadas manifestações de índole artístico, cultural, social e político.

Acrescente-se que dada a concordância genérica da população sobre o enterramento da linha férrea, apresenta(va)-se como uma oportunidade extraordinária de congregar os habitantes através do seu envolvimento em torno de um objectivo comum de pensamento e construção do seu espaço colectivo, naquilo que se poderia afirmar como uma intervenção enquadrável no lote das boas práticas de requalificação de áreas urbanas e dos espaços colectivos com o envolvimento efectivo da população.

É precisamente pelo distanciamento do que tem acontecido relativamente ao que se refere no parágrafo anterior a razão deste texto. Numa reunião da Assembleia Municipal, ocorrida a 17 de Maio de 1999 (decorrida após a assinatura do protocolo entre a CM Espinho e a REFER), tive a oportunidade de, enquanto munícipe, intervir no período reservado para o público, para de certa forma ir contra-corrente à discussão que tinha tido lugar, porquanto se discutia a paternidade da ideia, a mais valia e a contribuição de cada um e de cada partido para a efectivação do enterramento da linha férrea (esta parte da intervenção não está transcrita na acta, como é óbvio, mas lendo-a percebe-se claramente o teor da discussão).

Como dizia, tive aí a oportunidade de expressar a minha congratulação ‘moderada’ pela decisão do enterramento, afirmando, contudo, que mais importante do que a Assembleia discutir quem teve a ideia, deviam ser discutidas as repercussões e as transformações que tal intervenção causaria na cidade, pensando em formas de informação e envolvimento efectivo da população. Defendi ainda a necessidade de esta Assembleia se bater por um prolongamento da extensão do túnel, por forma a que aquilo que seria a resolução de um problema e de um transtorno num troço da cidade, não se transformasse num problema e em transtornos acrescidos para outras partes da cidade, nomeadamente na contribuição para o reforço do ostracismo a que tem sido votado o Bairro Piscatório / Marinha de Silvalde, e a sua população, que vive apartada da cidade em virtude das barreiras que limitam a sua sensação de pertença à cidade de Espinho: a Nascente a linha férrea, a Norte a ex-Fábrica Brandão Gomes, a Sul o campo de golfe, e a Poente, o Mar.

De lá para cá a evolução da situação não foi positiva.

A Fábrica Brandão Gomes, por exemplo, tem sido alvo de uma intervenção de renovação que deixa muito a desejar. Num primeiro momento, houve uma fase positiva, quando o corpo Poente da antiga fábrica foi demolido, permanecendo apenas o corpo Nascente, onde se localizava a frente do edifício e as suas áreas nobres, permitindo o rompimento total da barreira que constituía outrora, quer visual, quer ao nível dos movimentos.

Apesar do espaço não ter sido alvo de tratamento adequado, verificou-se um verdadeiro efeito de livre comunicação entre duas partes da mesma cidade, próximas e anteriormente distantes, em que os movimentos de circulação pedonal podiam então encurtar as distâncias através de ‘atalhos’ e diminuir o tempo de deslocação entre uma parte e outra.

Entretanto, como se tem comprovado, optou-se por uma intervenção, que se vem prolongando no tempo sem fim à vista, e cujo programa se centra nos edifícios em si, e não na construção de um espaço colectivo, assente na comunicação entre as partes de cidade, e na permeabilidade de percursos, se não motorizados, no mínimo pedonais.

Ou seja, a barreira voltou! A oportunidade de fazer cidade perdeu-se!

Por outro lado, o processo do enterramento da linha férrea foi acontecendo, quase secretamente, sem que ninguém vislumbre o que quer que seja do que vai acontecer àquele espaço. Ao longo de todo o processo, e desde o início, que se insiste numa solução que peca por não corresponder cabalmente ao que se comprometia, e que é apresentada como a única solução tecnicamente possível, como se não pudessem existir outras.

A solução apresentada assenta na construção de um túnel ferroviário de 950 metros de extensão (sensivelmente entre a Rua 11 e a Rua 37), complementada com as rampas de acesso, a Norte (desde a Ribeira do Mocho até à Rua 11), e a Sul (desde a Rua 37 passando um pouco a Ribeira de Silvalde), com extensões de cerca de 360 metros.

Ora, esta solução é limitativa, porquanto cria desigualdades e dificuldades à população da Marinha de Silvalde, onde habitam cerca de 6.000 habitantes, que vêm que esta futura infraestrutura limitará ainda mais o espaço onde se encontram agora. Atendendo a que a vala da rampa Sul de acesso ao túnel desenvolve-se precisamente defronte de um núcleo habitacional, para onde está prevista a construção de um muro de segurança de 1,5 m de altura, complementado em alguns locais por um painel acústico que elevará a altura até aos 3 m, tudo isto a apenas 4,5 m de distância da fachada principal das habitações que se encontram na via que margina a linha férrea, a Av. S. João de Deus.

Pela descrição da proposta, é totalmente inaceitável, do ponto de vista urbanístico e da qualidade do ambiente urbano, que se venha a desenvolver um muro de 3 m de altura a 4,5 m das casas, no local da Marinha de Silvalde.

Actualmente a rua em questão já se transformou, com a colocação dos taipais, numa via de sentido único, com uma largura mínima limitada à passagem de uma viatura, levantando questões de segurança relativamente à circulação pedonal e automóvel.

A ser levada a cabo tal solução só reforçará o actual carácter de ambiente urbano fragmentado e desconexo que já caracteriza esta parte da cidade, desligada das suas restantes partes. E é pela inaceitabilidade desta solução, que se pugna aqui por uma intervenção qualificadora, que providencie uma intervenção positiva extensiva também a esta ‘parte’ da cidade.

Essa ‘intervenção positiva’ passa claramente por uma solução assente no prolongamento do enterramento da linha férrea numa extensão adicional em cerca de 400 m para Sul, acontecendo a vala da rampa também mais para Sul, numa área em que não estão em causa as incompatibilidades e os inconvenientes com os usos habitacionais, recuperando, desta forma, espaços para caminhar, falar, jogar/brincar, e estar de um modo sociável.

Tal proposta pretende contribuir para a continuidade do sentido de pertença ao espaço urbano da cidade de Espinho, sem criação de barreiras físicas que impeçam a total permeabilidade e fruição dos espaços, contribuindo, de igual modo, para a integração e interligação das diferentes áreas que compõem o ambiente urbano, numa relação expressiva por forma a constituírem sequências coerentes, num âmbito mais alargado da unificação e coesão interna da cidade.

Defende-se assim a constituição de uma estrutura urbana transitável, assente na existência de redes de caminhos para peões, e outros meios de deslocação, que ligue os diferentes pontos por meio de circuitos próprios, degraus, pavimentos, passadiços, ou outros elementos de conexão que permitam a continuidade e a acessibilidade, conferindo à cidade uma dimensão humana.

Aquilo que parece ser a defesa por uma solução respeitadora do direito dos habitantes a um ambiente urbano qualificado, é recusado pela CM de Espinho e pela REFER, escudando-se no projecto ‘oficial’, argumentando que a solução apresentada é a tecnicamente possível em virtude das duas linhas de águas que limitam a Norte e a Sul a extensão do túnel previsto.

Esta posição traduz-se numa imobilidade e numa tentativa de ‘silenciar as reivindicações da população’ com argumentos técnicos falaciosos, através de linguagem ‘fechada’ e que os habitantes mais incautos e desconhecedores não dominam, ficando sem poder de argumentação, pela posição distante em que se colocam os ‘pretensos esclarecimentos oficiais’.

Não se pode aceitar, de igual modo, que um projecto desta envergadura não prepare na sua fase de estudo soluções alternativas e criativas, que tentem responder aos desafios que caracterizam a especificidade da obra.

Não se pode aceitar que a solução apresentada seja uma solução que resolve os problemas em apenas um quilómetro do troço da cidade atravessada pela linha férrea, e que cause ainda mais transtornos e problemas do que os que se vivem na actualidade com a linha à superfície, a um núcleo populacional de cerca de 6000 habitantes.

Não se pode aceitar que se escudem apenas numa razão técnica de engenharia, quando as possibilidades em engenharia são enormes. Não se pode aceitar que uma população fique refém da engenharia, quando a engenharia é que deve ser usada e trabalhada em favor da resolução dos problemas da população.

E não se pode aceitar de forma alguma a total ausência de ‘engenharia’… social e humana!

É que a cidade é caracterizada por uma estrutura complexa, de uma multiplicidade de aspectos, de diferentes características sociológicas e psicológicas, e é uma organização mutável com fins variados, com muitas funções, criada por muitos de modo rápido.

A verdade é que no tempo presente, caracterizado por uma ambiguidade e complexidade de imagens contraditórias, o mundo, e nele a cidade, está em constante mudança, evolução, progresso, e em que cada transformação pressupõe um salto qualitativo.

E não se pode perder de novo a oportunidade de dar esse salto qualitativo em Espinho. Não se pode perder de novo a oportunidade de construir e fazer cidade. Uma cidade humana! E certamente que tal não se consegue sem os seus habitantes.

sábado, 16 de julho de 2005

Que ambiente e ordenamento temos, que ambiente o ordenamento queremos?

num debate essencialmente dedicado à sensibilização para as questões do ambiente e do ordenamento do território, a intervenção debruçou-se sobretudo acerca da desmistificação da sua actividade, à relativização do planeamento e à contextualização daquilo que é a actividade e os resultados visíveis ou invisíveis no território.

após uma pequena intervenção introdutória, mais no âmbito de uma apresentação da profissão em si, e uma breve explanação sobre a existência e a necessidade da actividade de planeamento, a sessão tomou mais o sentido de uma conversa entre a audiência e o interveniente, estabelecendo-se uma plataforma de proximidade e alguma dose de informalidade que enriqueceu a postura do debate.

da sessão constatou-se que apesar do desenvolvimento da actividade de planeamento e ordenamento do território, senão qualitativo, pelo menos quantitativo, e pela existência de um sem número de planos e outras figuras que vão surgindo, o resultado é que a opinião geral é a de que não há uma relação positiva entre planeamento e o que no quotidiano se confronta no território.

aqui, desde logo, torna-se imperioso a contextualização da actividade, enredada que está numa teia de constrangimentos vários, desde regulamentares, legais, qualitativos e quantitativos, e sobretudo de défice de cidadania e de uma imensa ausência de valores no que respeita à prossecução do bem público e do bem comum, na procura de objectivos consensuais, seja no âmbito alargado, ou de uma simples comunidade.

alguns dos tópicos abordados:

- o reconhecimento de que a coexistência espacial origina tensões entre proprietários e entre proprietários e a administração

- o sistema de planeamento impõe limites aos direitos dos privados: direito de propriedade vs direito de construção; e a submissão ao interesse público e ao bem comum

- as transformações ou evoluções do papel do estado, desde o de providenciar solo para, o papel de ‘fornecedor’ de infraestruturas e de regulação da qualidade de vida e do ambiente até ao papel chave contemporâneo indutor e director do processo de desenvolvimento

- das dinâmicas: necessário o reemergir das questões da procura da ‘boa forma urbana’ e da ‘estratégia territorial’

- mudanças de escala: a necessidade de intervenção em escalas distintas e complementares: da rua ao bairro, da cidade à região…

- da mudança temática: redireccionar o enfoque da preocupação essencial de intervenção dos direitos de propriedade para a organização espacial

- dos enormes desafios: eficiência do mercado, assegurar a equidade, assegurar a qualidade, e providenciar e potenciar oportunidades

- da constatação de que a forma como o planeamento espacial é feito reflecte a capacidade da sociedade para a colaboração em vários níveis

- da necessidade de planeamento e das dificuldades em lidar com as desigualdades: estilos de vida, qualidade(s) de vida(s), actividades

das recomendações:
- congregar numa base regional os vários sectores
- identificar os pontos estratégicos comuns
- constituir / construir a capacidade institucional de os alcançar

finalmente: a questão da dimensão espacial e ambiental
- qualidade dos sítios, qualidade dos sítios para habitar, qualidade dos sítios para as actividades e os negócios, como parte dos sistemas ecológicos naturais, e como expressão de um sentido cultural