segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Assim Haja Energia

A evolução das sociedades humanas está intimamente relacionada com a disponibilidade de recursos, e a capacidade de gerar energia, para suprir desde necessidades básicas, como alimentação, conforto, comunicação, a outras mais sofisticadas. A energia está na base da capacidade de comunicação entre comunidades espacialmente afastadas, do incremento da circulação de pessoas e bens, das diversas possibilidades de organizar o espaço privado e o espaço público, do desenvolvimento e incorporação de tecnologias no quotidiano, e do despertar da consciência ecológica e social.

A energia transforma os equilíbrios geopolíticos dos países, a competitividade das empresas, e o quotidiano e bem-estar das famílias, como os acontecimentos e flutuações recentes têm por demais evidenciado. Por outro lado, crescem na agenda as questões e problemáticas sobre a exploração e delapidação dos recursos, e os efeitos nefastos da poluição a partir da produção e consumo energéticos. A energia é, assim, simultaneamente, um importante factor de crescimento económico, e um elemento vital para o desenvolvimento sustentado das sociedades.

Os valores de utilização de energia em Portugal, expressos em termos de energia primária, mostram a importância dos edifícios (36,3%), dos transportes (29,6%) e da indústria (28,5%). Os dados sobre as emissões de CO2 derivadas da utilização da energia fazem subir o peso relativo dos edifícios (38,9%), confirmam o peso dos transportes (29,8%) e revelam, neste particular, uma pequena descida do peso do sector da indústria (28,5%).

Por outro lado, a intensidade energética, que traduz a eficiência com que a energia é utilizada, medida pelo rácio entre o consumo total de energia primária e o produto interno bruto, tem historicamente vindo a aumentar, fazendo de Portugal um dos países da União Europeia mais intensivos em energia, ou seja, menos eficiente, utilizando relativamente maiores consumos de energia, e gerando níveis inferiores de riqueza.

Estamos, energeticamente falando, perante um grande desafio multidimensional: como produzir energia em qualidade e quantidade suficiente, e a custos sócio-economicamente comportáveis, sem afectar irremediavelmente o meio ambiente, a competitividade das empresas, e o bem-estar das famílias; como reduzir consumos supérfluos, e como aumentar a eficiência e diminuir a intensidade energéticas.

Este desafio constitui simultaneamente uma oportunidade para o desenvolvimento e afirmação de comunidades sustentáveis, aumentando a sua competitividade, e favorecendo o crescimento de vários sectores de actividade associados à sustentabilidade dos territórios, assumindo o carácter transversal da energia na busca da competitividade nos diversos sectores de actividade e na prossecução de um desenvolvimento sustentado, que prossiga:
  1. a investigação, a inovação e o desenvolvimento tecnológico aplicadas à sustentabilidade energética (materiais de construção, transportes, energia, etc.) tendo em vista novos meios de produção de energias mais limpas e renováveis, mais eficientes e menos intensivas, novos processos e técnicas menos consumidores de energia, optimização de materiais e componentes;

  2. o empreendedorismo e a promoção da competitividade empresarial, capaz de gerar emprego e riqueza em sectores avançados e de base tecnológica, através de sinergias com as melhores práticas de formas racionais de utilização da energia e da protecção ambiental, da incorporação de energias mais limpas e eficientes, e da geração de oportunidades de negócios em torno da consultoria ambiental e energética, da formação e qualificação profissionais, da indústria de reabilitação urbana (desenvolvimento e aplicação de materiais “amigos” do ambiente), e da indústria eco-eficiente;

  3. novas formas de organização e apropriação do espaço público e privado, e de novos modos de transporte, acessibilidade e mobilidade, que tenham em atenção a adopção de práticas e materiais construtivos mais eficientes e menos consumidores de energia, um cuidado ordenamento do território que optimize a multiplicidade de espaços e necessidades urbanas de uma forma energeticamente racional, e que minimize necessidades de deslocação supérfluas, e a adopção de meios e modos de transporte mais limpos e eficientes.
Estas dimensões são contributos para o entendimento integrado de uma política energética quer com uma visão moderna de competitividade e de geração de riqueza, quer com os princípios do desenvolvimento sustentado, através da endogeneização, criação de emprego-saber qualificado com expressão no desenvolvimento tecnológico, na melhoria da eficiência dos processos e na redução do dispêndio energético, que visam a promoção dos valores de um novo paradigma energético. Assim haja energia!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Crónica Anacrónica para um Ataque Organizacional

A sociedade avança num ritmo frenético, incapaz de domar o impulso acelerativo. Com uma cadência de mudança crescentemente febril e acelerada, é preponderante aumentar as capacidades de adaptabilidade, i.e. a rapidez e a facilidade de adaptação à mudança constante.

O amanhã precisa de cidadãos capazes de julgar e decidir criteriosamente, de abrir o seu caminho através de novos ambientes, e de acompanhar sem dificuldade a transformação rápida e constante da realidade, para o qual a educação, a formação e a qualificação são factores decisivos e pilares com forte expressão na estrutura de desenvolvimento pessoal e humano, e são condições indispensáveis de suporte às exigências de desenvolvimento das economias baseadas no conhecimento.

Apesar da aproximação constante e vertiginosa, é evidente que o sistema de ensino não acompanha o ritmo da mudança, num anacronismo sem remédio quando, pese embora o discurso sobre o futuro, as escolas estão voltadas para o passado.

Não se presuma aqui que o sistema não está a evoluir, mas as medidas não são mais do que tentativas para aperfeiçoar uma engrenagem que a torna ainda mais eficaz na prossecução de objectivos obsoletos, baseadas na inércia e no conflito de correntes académicas, empenhadas em aumentar a sua relevância, importância e influência sociais.

O sistema educativo português tem-se traduzido num gigantesco reprodutor de ignorância, aprisionado numa fórmula de ensino salsicha, baseado na ideia da reunião e concentração de multidões de estudantes destinados a serem processados por um “sistema produtivo” numa escola centralizada, onde imperam a arregimentação, a falta de individualismo, a frequência escolar compulsatória, num sistema de ensino que está a funcionar perigosamente mal, e o que passa por ensino não é mais do que uma forma empenhada de transformar os indivíduos em anacronismos vivos, que padece de males como:

  • estruturas organizacionais padrão invariáveis, assentes em unidades básicas sustentadas numa obsoleta estandardização das escolas;
  • os programas são os mesmos, ou quando muito com mínimas e relutantes variações de escola para escola, reflectindo exigências vocacionais de uma sociedade em vias de extinção;
  • na generalidade dos casos, os próprios recintos e espaços educativos resultam de uma outra padronização física e modular, bem como as designações indiferenciadas da toponímia escolar, sem interpenetrações na comunidade;
  • os indivíduos não adquirem experiências de outras formas de organização, de problemas de mudança de uma estrutura para outra, não se adequam a uma necessária versatilidade de papéis;
  • os indivíduos passam pelo sistema educacional sem terem sido obrigados, uma única vez, a procurar as contradições das escalas de valores, a analisar a fundo os objectivos de vida, ou a discutir abertamente tais assuntos;
  • um sistema de ensino que prepara os indivíduos para um nicho relativamente permanente, para uma ordem social e económica estatizante e imobilista.

O resultado é, pois, um panorama desolador, em que após avultados investimentos, o retrato é o de uma população que continua a apresentar baixos níveis de qualificação, num diagnóstico bastante crítico, no contexto nacional, e agravado no contexto europeu:

  • três em cada quatro pessoas com idade para trabalhar nunca passou do 9.º ano (para um em cada quatro na Europa a 27;
  • pouco mais de um décimo da população activa concluiu o ensino secundário (a média comunitária, incluindo os países do alargamento é de 50%);
  • e quanto ao ensino superior o panorama da população com grau superior também não é muito animador, em contraste claro com a dinâmica de países como a Espanha e a Irlanda que ultrapassaram a média comunitária no espaço de uma geração.

É premente um “ataque organizacional” a começar por questionar o seu próprio statu quo, e prosseguir rumo à diversidade, à descentralização, e à interpenetração na comunidade, transformando a estrutura organizacional do sistema educativo, revolucionando os currículos, e encorajando uma orientação mais voltada para o futuro.

A sociedade está a ser alvo de diferenciação. Assim como a diversidade genética favorece a sobrevivência das espécies, assim a diversidade educacional aumenta as probabilidades de sobrevivência das sociedades.

Tem que se proporcionar aos indivíduos a aquisição de experiências diversificadas e com outras formas de organização, convivendo com problemas de mudança de uma estrutura para outra, e adequando-se a uma imperiosa versatilidade de papéis.

É importante promover o espírito crítico e o pensamento relacional, a procura de contradições das escalas de valores, a análise a fundo dos objectivos de vida, e o debate aberto sobre as mais variadas temáticas no seio da comunidade.

Para tal, não se deve presumir que todas as matérias ensinadas hoje o são por uma razão, mas sim partir da premissa inversa, integrando nos programas o que tiver justificação em termos de futuro, ainda que tal obrigue a suprimir uma boa parte dos programas tradicionais.

Esta não é uma declaração anticultural, mas a assumpção de que a rápida caducidade do conhecimento e o aumento da duração da vida demonstram que técnicas aprendidas na juventude dificilmente terão valor à medida que a idade avança.

Em substituição dos programas estandardizados, expondo os indivíduos aos mesmos dados-base, é fulcral proporcionar dados muito diversificados, aumentando as possibilidades de escolha entre especialidades variadas, garantindo uma vasta gama de aptidões.

Simultaneamente, é necessário prever pontos de referência comuns, num sistema de aptidões necessárias à comunicação e à integração social, englobando o aprender a aprender, o ensinar a si próprio, a capacidade de classificação e reclassificação de informação, a abstracção e concretização, a adesão e o abandono de ideias, a criatividade e expressão, a reflexão, a ponderação, a escolha, e a decisão…

É pois necessário:

  • Um sistema de ensino em que, desde o início, se discipline, se exija, se ensine, se trabalhe, se aprenda, se responsabilize e se retribua de acordo com os méritos efectivamente revelados por cada um; se garanta a disciplina nas aulas, se baseie em programas actualizados, úteis e interessantes;
  • Um sistema de formação de activos baseado na selecção das aprendizagens mais úteis, com programas bem definidos, formadores previamente qualificados e avaliados, duração mínima indispensável, prestação de provas, fiscalização da aprendizagem e informação sobre a qualidade, a assiduidade e os resultados obtidos.

Esta é uma forma de abanar, de promover a mudança e de estimular à acção, e não de deprimir, afastando um falso optimismo bacoco e ultrapassado, e expressando uma exigência cívica que não se compadece com retóricas ou ilusões. Não nos podemos conformar, e acreditamos que é possível fazer melhor.