segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Assim Haja Energia

A evolução das sociedades humanas está intimamente relacionada com a disponibilidade de recursos, e a capacidade de gerar energia, para suprir desde necessidades básicas, como alimentação, conforto, comunicação, a outras mais sofisticadas. A energia está na base da capacidade de comunicação entre comunidades espacialmente afastadas, do incremento da circulação de pessoas e bens, das diversas possibilidades de organizar o espaço privado e o espaço público, do desenvolvimento e incorporação de tecnologias no quotidiano, e do despertar da consciência ecológica e social.

A energia transforma os equilíbrios geopolíticos dos países, a competitividade das empresas, e o quotidiano e bem-estar das famílias, como os acontecimentos e flutuações recentes têm por demais evidenciado. Por outro lado, crescem na agenda as questões e problemáticas sobre a exploração e delapidação dos recursos, e os efeitos nefastos da poluição a partir da produção e consumo energéticos. A energia é, assim, simultaneamente, um importante factor de crescimento económico, e um elemento vital para o desenvolvimento sustentado das sociedades.

Os valores de utilização de energia em Portugal, expressos em termos de energia primária, mostram a importância dos edifícios (36,3%), dos transportes (29,6%) e da indústria (28,5%). Os dados sobre as emissões de CO2 derivadas da utilização da energia fazem subir o peso relativo dos edifícios (38,9%), confirmam o peso dos transportes (29,8%) e revelam, neste particular, uma pequena descida do peso do sector da indústria (28,5%).

Por outro lado, a intensidade energética, que traduz a eficiência com que a energia é utilizada, medida pelo rácio entre o consumo total de energia primária e o produto interno bruto, tem historicamente vindo a aumentar, fazendo de Portugal um dos países da União Europeia mais intensivos em energia, ou seja, menos eficiente, utilizando relativamente maiores consumos de energia, e gerando níveis inferiores de riqueza.

Estamos, energeticamente falando, perante um grande desafio multidimensional: como produzir energia em qualidade e quantidade suficiente, e a custos sócio-economicamente comportáveis, sem afectar irremediavelmente o meio ambiente, a competitividade das empresas, e o bem-estar das famílias; como reduzir consumos supérfluos, e como aumentar a eficiência e diminuir a intensidade energéticas.

Este desafio constitui simultaneamente uma oportunidade para o desenvolvimento e afirmação de comunidades sustentáveis, aumentando a sua competitividade, e favorecendo o crescimento de vários sectores de actividade associados à sustentabilidade dos territórios, assumindo o carácter transversal da energia na busca da competitividade nos diversos sectores de actividade e na prossecução de um desenvolvimento sustentado, que prossiga:
  1. a investigação, a inovação e o desenvolvimento tecnológico aplicadas à sustentabilidade energética (materiais de construção, transportes, energia, etc.) tendo em vista novos meios de produção de energias mais limpas e renováveis, mais eficientes e menos intensivas, novos processos e técnicas menos consumidores de energia, optimização de materiais e componentes;

  2. o empreendedorismo e a promoção da competitividade empresarial, capaz de gerar emprego e riqueza em sectores avançados e de base tecnológica, através de sinergias com as melhores práticas de formas racionais de utilização da energia e da protecção ambiental, da incorporação de energias mais limpas e eficientes, e da geração de oportunidades de negócios em torno da consultoria ambiental e energética, da formação e qualificação profissionais, da indústria de reabilitação urbana (desenvolvimento e aplicação de materiais “amigos” do ambiente), e da indústria eco-eficiente;

  3. novas formas de organização e apropriação do espaço público e privado, e de novos modos de transporte, acessibilidade e mobilidade, que tenham em atenção a adopção de práticas e materiais construtivos mais eficientes e menos consumidores de energia, um cuidado ordenamento do território que optimize a multiplicidade de espaços e necessidades urbanas de uma forma energeticamente racional, e que minimize necessidades de deslocação supérfluas, e a adopção de meios e modos de transporte mais limpos e eficientes.
Estas dimensões são contributos para o entendimento integrado de uma política energética quer com uma visão moderna de competitividade e de geração de riqueza, quer com os princípios do desenvolvimento sustentado, através da endogeneização, criação de emprego-saber qualificado com expressão no desenvolvimento tecnológico, na melhoria da eficiência dos processos e na redução do dispêndio energético, que visam a promoção dos valores de um novo paradigma energético. Assim haja energia!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Crónica Anacrónica para um Ataque Organizacional

A sociedade avança num ritmo frenético, incapaz de domar o impulso acelerativo. Com uma cadência de mudança crescentemente febril e acelerada, é preponderante aumentar as capacidades de adaptabilidade, i.e. a rapidez e a facilidade de adaptação à mudança constante.

O amanhã precisa de cidadãos capazes de julgar e decidir criteriosamente, de abrir o seu caminho através de novos ambientes, e de acompanhar sem dificuldade a transformação rápida e constante da realidade, para o qual a educação, a formação e a qualificação são factores decisivos e pilares com forte expressão na estrutura de desenvolvimento pessoal e humano, e são condições indispensáveis de suporte às exigências de desenvolvimento das economias baseadas no conhecimento.

Apesar da aproximação constante e vertiginosa, é evidente que o sistema de ensino não acompanha o ritmo da mudança, num anacronismo sem remédio quando, pese embora o discurso sobre o futuro, as escolas estão voltadas para o passado.

Não se presuma aqui que o sistema não está a evoluir, mas as medidas não são mais do que tentativas para aperfeiçoar uma engrenagem que a torna ainda mais eficaz na prossecução de objectivos obsoletos, baseadas na inércia e no conflito de correntes académicas, empenhadas em aumentar a sua relevância, importância e influência sociais.

O sistema educativo português tem-se traduzido num gigantesco reprodutor de ignorância, aprisionado numa fórmula de ensino salsicha, baseado na ideia da reunião e concentração de multidões de estudantes destinados a serem processados por um “sistema produtivo” numa escola centralizada, onde imperam a arregimentação, a falta de individualismo, a frequência escolar compulsatória, num sistema de ensino que está a funcionar perigosamente mal, e o que passa por ensino não é mais do que uma forma empenhada de transformar os indivíduos em anacronismos vivos, que padece de males como:

  • estruturas organizacionais padrão invariáveis, assentes em unidades básicas sustentadas numa obsoleta estandardização das escolas;
  • os programas são os mesmos, ou quando muito com mínimas e relutantes variações de escola para escola, reflectindo exigências vocacionais de uma sociedade em vias de extinção;
  • na generalidade dos casos, os próprios recintos e espaços educativos resultam de uma outra padronização física e modular, bem como as designações indiferenciadas da toponímia escolar, sem interpenetrações na comunidade;
  • os indivíduos não adquirem experiências de outras formas de organização, de problemas de mudança de uma estrutura para outra, não se adequam a uma necessária versatilidade de papéis;
  • os indivíduos passam pelo sistema educacional sem terem sido obrigados, uma única vez, a procurar as contradições das escalas de valores, a analisar a fundo os objectivos de vida, ou a discutir abertamente tais assuntos;
  • um sistema de ensino que prepara os indivíduos para um nicho relativamente permanente, para uma ordem social e económica estatizante e imobilista.

O resultado é, pois, um panorama desolador, em que após avultados investimentos, o retrato é o de uma população que continua a apresentar baixos níveis de qualificação, num diagnóstico bastante crítico, no contexto nacional, e agravado no contexto europeu:

  • três em cada quatro pessoas com idade para trabalhar nunca passou do 9.º ano (para um em cada quatro na Europa a 27;
  • pouco mais de um décimo da população activa concluiu o ensino secundário (a média comunitária, incluindo os países do alargamento é de 50%);
  • e quanto ao ensino superior o panorama da população com grau superior também não é muito animador, em contraste claro com a dinâmica de países como a Espanha e a Irlanda que ultrapassaram a média comunitária no espaço de uma geração.

É premente um “ataque organizacional” a começar por questionar o seu próprio statu quo, e prosseguir rumo à diversidade, à descentralização, e à interpenetração na comunidade, transformando a estrutura organizacional do sistema educativo, revolucionando os currículos, e encorajando uma orientação mais voltada para o futuro.

A sociedade está a ser alvo de diferenciação. Assim como a diversidade genética favorece a sobrevivência das espécies, assim a diversidade educacional aumenta as probabilidades de sobrevivência das sociedades.

Tem que se proporcionar aos indivíduos a aquisição de experiências diversificadas e com outras formas de organização, convivendo com problemas de mudança de uma estrutura para outra, e adequando-se a uma imperiosa versatilidade de papéis.

É importante promover o espírito crítico e o pensamento relacional, a procura de contradições das escalas de valores, a análise a fundo dos objectivos de vida, e o debate aberto sobre as mais variadas temáticas no seio da comunidade.

Para tal, não se deve presumir que todas as matérias ensinadas hoje o são por uma razão, mas sim partir da premissa inversa, integrando nos programas o que tiver justificação em termos de futuro, ainda que tal obrigue a suprimir uma boa parte dos programas tradicionais.

Esta não é uma declaração anticultural, mas a assumpção de que a rápida caducidade do conhecimento e o aumento da duração da vida demonstram que técnicas aprendidas na juventude dificilmente terão valor à medida que a idade avança.

Em substituição dos programas estandardizados, expondo os indivíduos aos mesmos dados-base, é fulcral proporcionar dados muito diversificados, aumentando as possibilidades de escolha entre especialidades variadas, garantindo uma vasta gama de aptidões.

Simultaneamente, é necessário prever pontos de referência comuns, num sistema de aptidões necessárias à comunicação e à integração social, englobando o aprender a aprender, o ensinar a si próprio, a capacidade de classificação e reclassificação de informação, a abstracção e concretização, a adesão e o abandono de ideias, a criatividade e expressão, a reflexão, a ponderação, a escolha, e a decisão…

É pois necessário:

  • Um sistema de ensino em que, desde o início, se discipline, se exija, se ensine, se trabalhe, se aprenda, se responsabilize e se retribua de acordo com os méritos efectivamente revelados por cada um; se garanta a disciplina nas aulas, se baseie em programas actualizados, úteis e interessantes;
  • Um sistema de formação de activos baseado na selecção das aprendizagens mais úteis, com programas bem definidos, formadores previamente qualificados e avaliados, duração mínima indispensável, prestação de provas, fiscalização da aprendizagem e informação sobre a qualidade, a assiduidade e os resultados obtidos.

Esta é uma forma de abanar, de promover a mudança e de estimular à acção, e não de deprimir, afastando um falso optimismo bacoco e ultrapassado, e expressando uma exigência cívica que não se compadece com retóricas ou ilusões. Não nos podemos conformar, e acreditamos que é possível fazer melhor.

domingo, 21 de outubro de 2007

Tentar. Falhar. Tentar de Novo. Falhar de Novo. Falhar Melhor!

Vivemos na era da hipermodernidade, marcada pela intensidade e a urgência do quotidiano, das mudanças que acontecem a um ritmo frenético, evidenciado pelo efémero, num estado de desorientação que experimentamos em virtude de sermos ‘animais territorializados’ num mundo em que a desterritorialização é geral, onde o ciberespaço floresce como um terreno «virtual» paradoxal.

A desorientação vem aumentando devido à aceleração que o desenvolvimento tecnológico vem experimentando nos últimos tempos, e que cruza dramaticamente o atraso entre o sistema tecnológico e as organizações sociais, mostrando que as nossas formas tradicionais de pensar e actuar se encontram ultrapassadas.

A interpenetração entre social e técnico evidencia que o social não acompanha o técnico e o virtual, e este apresentando-se rico em possibilidades, manifesta a necessidade de refundar as fronteiras entre o conhecimento científico e a sua aplicação, numa revisão radical que permita alargar o humano e projectar-se no espaço e no tempo, encarando o mundo como uma virtualidade passível de se actualizar, em que a característica fundamental é a capacidade de antecipar, de detectar e aproveitar oportunidades, de criar, inovar e empreender, sendo necessário vencer as resistências castradoras do Estado, das Instituições e das Empresas, bem como as resistências intrínsecas a todos e a cada um de nós.

Esta refundação tem manifestamente consequências políticas: o problema não se situa na mudança, mas na mobilização para a mudança contra as inércias e resistências. Do ponto de vista do pensamento, das políticas e da acção, é assim premente a mobilização social das competências disponíveis, para acompanhar o ritmo: quer o ritmo da mudança per si, quer o ritmo das acelerações e dos diferenciais de desenvolvimento que temos em défice relativamente a outros países.

Portugal continua afastado dos principais países europeus, em que a escassez de recursos humanos e materiais, e o quadro institucional vigente, continuam a evidenciar um atraso estrutural significativo. O modelo de crescimento prevalecente manifesta reduzidas interligações entre os tecidos sociais, económicos e científicos, com reduzido potencial de adaptabilidade, de inovação e de sustentabilidade, que não saem de uma postura passiva de adaptação à envolvente, resultando em baixos níveis de competitividade, dinamismo, produtividade, e pouca geração de valor acrescentado.

Salvaguardando notáveis excepções, a qualidade inovadora da generalidade das instituições e das empresas (existentes e criadas) é inferior à verificada na maioria dos países europeus. As empresas, instituições e empreendedores(as) evidenciam dificuldades de financiamento para inovação, virtude da escassez de mecanismos de partilha de riscos. Os efeitos induzidos da inovação sobre o desenvolvimento social, económico e a competitividade são assim também menores, menos sustentáveis e ocorrem mais lentamente.

Para vencer este diferencial, é necessário evoluir para um novo modelo competitivo, caracterizado pela inovação e empreendedorismo, com uma filosofia de aceleração qualitativa, de antecipação e diferenciação, para enfrentar com sucesso os desafios que se colocam à economia e à sociedade portuguesas.

Reconhecendo esforços para ultrapassar as insuficiências, através de parcerias, de redes ou pólos de cooperação empresarial, e ligação com instituições de apoio (centros tecnológicos, de formação, empresas de prestação de serviços avançados às empresas, etc.), a grande maioria das empresas e das instituições não efectuam este tipo de actividades.

As políticas públicas portuguesas têm assim de ser dirigidas e focalizadas para o estímulo e fomento das redes de inovação e empreendedorismo, através da mobilização de todos os agentes: universidades, instituições, empresas, sociedade, com uma orientação estratégica consistente com os novos paradigmas de desenvolvimento, e instrumentos de políticas públicas dirigidos a estimular a endogeneização de capacidades e competências tecnológicas, das empresas e das instituições, realização de actividades de investigação e desenvolvimento, de investimento em inovação, e do fomento do empreendedorismo qualificado como instrumento inovador e regenerador de tecidos económicos sectoriais, regionais ou urbanos.

Por forma a contribuírem decisivamente para, numa primeira instância vencer a resistência e a inércia, e ter uma capacidade de antecipação e de adaptação ao risco, e simultaneamente acompanhar e dinamizar o ritmo de desenvolvimento, com um lema vincado de empreender, empreender sempre:

Stay in. On in. Still. All of old. Nothing Else Ever. Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.” (Becket, 1983).

quinta-feira, 2 de março de 2006

Enterramentos e Desenterramentos (parte III)

iniciar aqui: parte I / parte II

Para finalizar esta sequela de textos sobre o decurso da Assembleia Extraordinária, não se pode passar incólume sobre o pormenor, que no caso toma dimensões de por maior, avançando publicamente que o almejado prolongamento do enterramento da linha férrea acarretaria um acréscimo nos custos no valor de 25 milhões de contos! A que se somaria o valor da obra actual, avaliada entre 12 a 15 milhões de contos, no total, então de 37 a 40 milhões de contos.

Mais uma vez, o sr. Presidente tem de explicar esta fuga para a frente, tentando a todo o custo silenciar os que pensam e admitem um projecto diferente, através das mais baixas manobras, lançando publicamente um valor sem qualquer sustentabilidade assente em qualquer tipo de análise, quer técnica, quer financeira. Está claro, sr. Presidente, que ninguém acredita nos valores que indicou! Ainda mais quando tem a desfaçatez de, posteriormente num outro momento, ‘esclarecer’ que o valor advém de cálculos efectuados pelo próprio, contando com a ajuda de técnicos da REFER.

De novo, o problema é que se partiu de uma base errada. Partiu-se de uma situação em que nunca se tiveram verdadeiramente em conta as diferentes alternativas que se colocavam, nem nunca foram consideradas variantes aos projectos, nem realizados os respectivos estudos de custos/benefícios associados a cada alternativa em causa.

Convém relembrar que esta análise custos/benefícios deveria ter tido em conta não só os aspectos técnicos e financeiros imediatos, mas também os custos de oportunidade de realização inerentes a cada uma das alternativas. Só desta maneira seria possível pesar e quantificar, na medida do possível, os efeitos positivos e nocivos associados a cada eventual proposta, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista da facilitação ou dificultação do maior ou menor desenvolvimento das dinâmicas sociais e humanas, e do desenvolvimento urbano da área envolvente.

Ou seja, ainda que o prolongamento possa sair ‘mais caro’ do ponto de vista estritamente financeiro e contabilístico da execução física da obra em si, esses custos poderão ser inferiores aos custos não contabilizados no âmbito do projecto actual, e que se referem aos seus efeitos negativos, à necessidade de obras complementares para diminuir tais efeitos, e aos enormes e gravíssimos custos sociais, não avalizados nem internalizados no custo do actual projecto, referentes à repartição e incremento do isolamento de partes de cidade, e aos custos sociais correspondentes. Isto é, não se está a ter em conta o facto de não se estar a construir cidade, a interligação e intercomunicabilidade entre as suas diferentes áreas integrantes, mas antes o processo oposto à construção de cidade.

Chegados aqui, neste actual processo, atingiu-se uns tais sentimentos de descrédito que mesmo que agora surjam todos e quaisquer estudos, estes serão sempre alvo da maior suspeita. Não é caso para menos. Se até ao momento a dificuldade foi enorme em justificar prontamente e autenticamente o projecto em curso em detrimento de outras opções, o mais certo é acontecer que, como é hábito, surjam precisamente os documentos certos.

Relembro aqui a magnífica série ‘Yes, Minister / Sim, Sr. Ministro’, em que a episódio tantos o dedicado ‘public servant’ sir Humphrey Appleby se dirige ao Ministro indicando-lhe que para obter os ‘resultados certos’ da realização de determinados estudos e avaliações, o que teria de fazer era acertadamente contratar as ‘pessoas certas’.

Mas desta Assembleia há claramente uma grande conclusão a reter. É a de que este projecto se tornou mais importante para o sr. Presidente do que para Espinho e para os espinhenses. Chamando a si um processo que, inicialmente, julgava mais acessível do que o que se veio a revelar, viu-se depois embrenhado num processo de ramificações e de necessidades discutíveis, comprometendo-se de tal forma, mesmo a nível individual, com o resultado final, que não teve outro remédio que não fosse empenhar-se a fundo, e ao fim e ao cabo, perante a dificuldade viu-se obrigado a aceitar o que lhe deram, mesmo que não servisse os interesses de Espinho. Mas servia os seus interesses. É que rejeitar este enterramento lhe custaria muito caro politicamente, sabendo que todos lhe cobrariam a falha de não ter conseguido. Mais do que a questão do enterramento, era a questão da sua afirmação / confirmação política. Foi isto que o sr. José Mota, Presidente da Câmara Municipal de Espinho disse na sua longa intervenção na noite de quinta-feira em que se realizou a malfadada reunião.

Sr. Presidente da Câmara, o desenvolvimento de Espinho é mais importante do que o futuro imediato e particular de que qualquer um de nós!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Enterramentos e Desenterramentos (parte II)

iniciar aqui: parte I

Ainda sobre reunião extraordinária da Assembleia Municipal de Espinho (AME). Um outro vogal veio reclamar que não se poderia andar para trás e para a frente nas deliberações e nas decisões tomadas na AME, referindo-se à pretensão de se votar um determinado documento que supostamente contrariava outros já votados e aprovados, alguns até por unanimidade. Neste ponto, que por princípio estou de acordo, segundo o qual não se pode andar ao sabor das marés, tenho que no entanto ressalvar que importa ter em conta que em muitas situações é necessário corrigir o rumo para distinguir ilegalidades de ilícitos. Serve isto para dizer que embora todo o processo e todas as decisões tomadas na Assembleia Municipal não contrariem a lei, isto é sejam legais e politicamente válidas, podem no entanto configurar ilícitos, isto é, originar situações contrárias a princípios e a valores jurídicos. Neste caso, poder-se-á estar na preparação de uma ilicitude urbanística, por exemplo.

De igual modo, a intervenção do sr. Presidente da Câmara é merecedora de grandes reparos. Desde logo, porque ao longo do imenso tempo em que discorreu, não explicou o que devia explicar, e limitou-se a proceder a uma elencagem comentada da cronologia dos contactos com a REFER e com os diferentes governantes, numa espécie de ‘José Mota, o Governo e a REFER: correspondência trocada’ (não querendo eu, claro está, desmerecer o trabalho de José Freire Antunes em ‘Salazar e Caetano: Cartas Secretas’).

Depois porque o sr. Presidente da Câmara refere a existência de um Estudo de Impacte Ambiental, como que querendo dizer: vejam, está tudo bem. Até temos um Estudo de Impacte Ambiental! O que o sr. Presidente da Câmara não disse é que o tal Estudo de Impacte Ambiental, realizado em 1996, no âmbito do Projecto de Modernização da Linha do Norte, e que pressupunha a quadruplicação da via, à superfície, encontra-se ‘fechado’ e arquivado no registo histórico do Instituto do Ambiente (número nacional de AIA 385 / número interno do IA 388), e não tem nada que ver com o actual projecto.

Também não disse que o actual projecto que se encontra em execução não foi alvo da respectiva avaliação de impacte ambiental (AIA), tal como a lei obriga. Antes, a Câmara e a REFER trataram de obter politicamente a dispensa de realização de tal avaliação. Andou mal a Câmara e a REFER. Porque precisamente o processo de AIA não é um daqueles empecilhos para inviabilizar tudo e mais alguma coisa. Antes é um ‘importante instrumento de carácter preventivo, sustentado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informação, identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos, bem como a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses efeitos, tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da execução de tais projectos e respectiva pós-avaliação’. Dito isto, com a realização de um poderoso instrumento como este, a Câmara e a REFER tratavam de conhecer mais pormenorizadamente a área em causa, antecipando eventuais problemas e propondo atempadamente as respectivas soluções.

Mas o AIA tem ainda um outro contributo precioso, que é o de considerar um período de discussão pública, que bem encaminhado e preparado poderia dar lugar a um forte envolvimento inicial da população no projecto, contribuindo para o devido esclarecimento dos habitantes, obviando a relações difíceis no futuro. Não foi o que a Câmara e a REFER fizeram. Pelo contrário, ‘dispensaram-se’ de o fazer.

Tal facto corrobora a atitude demonstrada pelo vogal já referido atrás. A realização de tal processo de AIA, acarretaria a respectiva dilatação temporal da execução da obra, e isso era coisa que não podia ser. Havia pressa, muita pressa em acelerar processos, por forma a avançar com a obra e a mostrar a obra: a obra vê-se, dizia-se.

Mais. Sustenta que o actual projecto foi validado politicamente através de nova vitória eleitoral nas últimas eleições autárquicas. Mas aqui o sr. Presidente da Câmara revela também uma certa sobranceria pelos valores e princípios democráticos. Primeiro equivoca-se ao admitir que a eleição autárquica foi uma espécie de acto referendário ao projecto de enterramento que defende! Segundo, porque analisando os resultados eleitorais, na verdade o Sr. José Mota ganhou as eleições, mas esquece-se que foram mais aqueles que não votaram nele do que os que nele votaram: 11.366 contra 9.194 votos (+2172 votos), 55,28% contra 44,72% (+10,56%).

Igualmente grave é o sr. Presidente da Câmara usar e abusar do nome do Prof. Paulo Pinho, escudando-se no seu tão propalado parecer sobre a extrema dificuldade em transpor as temíveis ribeiras. Não quero aqui de forma alguma colocar em causa o bom nome do Prof. Paulo Pinho, mas sendo o seu trajecto relativamente público e conhecido por muitos, e apesar da sua formação de base em engenharia civil, o seu percurso académico e profissional é por demais reconhecido na área do planeamento territorial e do ambiente, como atesta a extensa lista de publicações que apresenta no sítio da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e que eu próprio como profissional da área reconheço, respeito e saúdo. Agora não se pode é admitir que o sr. Presidente da Câmara utilize o seu nome como carne para canhão para validar a sua própria opinião e para fazer crer que não há dúvida possível quanto ao propalado parecer, como se o Prof. Paulo Pinho fosse o perito supra-sumo máximo no país em matéria de hidrografia e hidrogeologia. Na verdade, atrevo-me a dizer, correndo obviamente o risco de eu próprio me equivocar, que este mais parece ter sido uma opinião do género de treinador de bancada. O facto de alguém viver numa zona piscatória não o torna necessariamente num perito em pesca!

Por outro lado, a questão da transposição das ribeiras parece que assumiu contornos de um sagrado inquestionável. Por acaso, que até nem é por acaso, mas resultante da evolução de anos, as duas ribeiras distam entre si, em números redondos, cerca de 2 km, o que permite levar a cabo o presente projecto em execução. Tivessem as duas ribeiras afastadas entre si apenas 1 km, ou até menos, portanto sem espaço entre si para albergar o túnel, muito gostaria eu de ver o sr. Presidente da Câmara a lutar pela insignificância das ditas com a mesma força e intransigência com que agora defende a sua intransponibilidade.

Acresce que quanto à existência dos estudos e projectos, o sr. Presidente veio dizer que se encontravam disponíveis para consulta para quem os quisesse consultar. E ai de quem afirmasse o contrário!. Pois bem sr. Presidente, lembro-lhe que o anterior Presidente da Assembleia, e agora seu vereador, afirmou numa das últimas reuniões do mandato anterior, que não convocaria a dita reunião extraordinária porque não estavam encontrados os pressupostos necessários para a sua realização, referindo-se nomeadamente à falta dos estudos. Mesmo depois do sr. Vereador Rolando de Sousa ter afirmado que os estudos estavam disponíveis para qualquer dos senhores deputados municipais que os quisessem consultar. Acontece que alguns deputados requereram os estudos e publicamente nunca lhes foram concedidos, pelo menos em sede de Assembleia Municipal. Deve ter sido apenas um equívoco, claro. Mas deve ter andado bem o então sr. Presidente da Assembleia no serviço fiel ao timoneiro, que se viu recompensado com um lugar na vereação, tendo estado mal ao serviço do órgão a que presidia e ao serviço do concelho.

Mas sr. Presidente da Câmara, se os estudos estão aí para quem os quiser consultar, porque é que não faz publicidade da sua existência e das suas formas de consulta? Porque não trouxe o sr. Presidente nenhum exemplar para a Assembleia? Porque não manda o sr. Presidente disponibilizar os referidos estudos no sítio Internet da Câmara Municipal? Sabe que até o sr. Primeiro-Ministro, o Eng.º José Sócrates, acenou com os estudos da Ota, gravados em cd’s, na Assembleia da República, e os mandou colocar na Internet? E olhe que não é nada de complicado… desde que existam, claro!

continuar a ler: parte III

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Enterramentos e Desenterramentos (parte I)

A Assembleia Municipal de Espinho (AME) finalmente reuniu extraordinariamente para debater a questão do enterramento de linha férrea em Espinho, depois de este mesmo órgão não ter cumprido a deliberação aprovada pela maioria dos seus membros (reunião 7 Julho 2005), de realizar uma reunião extraordinária ainda durante o anterior mandato, com a documentação e respectivos estudos, numa óbvia desresponsabilização e auto-enfraquecimento político deste órgão, pois se a própria AME não cumpre com as suas decisões, como espera que a Câmara, e/ou outros órgãos e organismos respeitem e acatem as suas recomendações?!

Instada várias vezes para a realização da referida reunião extraordinária, inclusive por mim próprio numa intervenção no período do público, a actual Presidente da AME exprimiu a sua vontade de a realizar, confidenciando até a sua vontade de realizar uma sessão pública de debate aberta à participação dos cidadãos. Mas tivessem sido apenas palavras de circunstância, ou não conseguindo fazer valer politicamente a sua vontade, viu-se ultrapassada pela manobra de diversão do PSD, tendo sido obrigada a convocar tal reunião.

A manobra não me causou grande entusiasmo por não atribuir à actual Presidente a oportunidade de falhar ou de provar o seu comprometimento com a deliberação vinda do mandato anterior, e com a vontade que ela própria expressou; e por não acautelar que os requisitos aprovados anteriormente fossem satisfeitos: a disponibilização da documentação e dos estudos, e a presença dos responsáveis da REFER e pelos pareceres, como foi requerido à Mesa pela então vogal Maria Goreti (reunião 12 Julho 2005).

Mais do que discutir a questão do enterramento, esta reunião serviu para um cerrar fileiras na arena política, digladiando-se as forças em combate, tentando cada uma das partes chamar a si o (falso) papel de defensor-mor das preocupações dos cidadãos. O debate numa lógica global de desenvolvimento do concelho nunca teve lugar. As estratégias, as repercussões e transformações, as formas de informação e esclarecimento dos cidadãos, entre outros aspectos, não foram tidas nem achadas.

Em suma, o resultado final traduziu-se no esfrangalhamento total da bancada da ‘coligação’, mais sentido no PSD, pela óbvia gincana que foi percorrendo ao longo do tempo, na coerência da CDU, que tem sido a força que sempre defendeu o prolongamento do enterramento, e na coerência do PS na defesa intransigente do seu timoneiro, mais do que na defesa dos verdadeiros interesses do Concelho, não interessando se é bom ou mau, o que interessa é a manutenção e reprodução do poder.

O sr. Presidente, esse, esteve igual a si próprio, no seu melhor estilo de desmesurado populismo, a fazer de conta que explicava muito, explicando muito pouco, conseguindo, no entanto, ‘esclarecer’ e/ou ‘convencer’ os mais incautos. O inacreditável, ou não, é que se tenham encontrado entre os incautos muitos dos elementos do próprio PSD!

[A facilidade com que o PSD se deu por derrotado foi por demais atroz. Está o PSD assim tão fraco? Ou será que faz sentido perguntar se terá sido a forma encontrada pelo PSD de enterrar o enterramento?]

Sobram, contudo, alguns aspectos reveladores que importa combater e/ou desmistificar.

Importa desmistificar a ideia de que o enterramento apenas afecta negativamente a população da Marinha, e que a defesa do prolongamento é uma ideia ‘descabida’ dos habitantes desta parte da cidade. Puro engano. Mais do que um problema da população da Marinha, este é um problema de todo o Concelho. O actual projecto não só não serve os interesses da Marinha, como não serve os interesses a Norte, e não serve os interesses do Concelho de uma forma geral. Entendido no quadro de uma intervenção abrangente e ambiciosa, de longo prazo, e não apenas da execução de uma obra isolada, este projecto não serve uma estratégia global de contribuir para a unificação e coesão interna da cidade, e da consolidação de uma nova centralidade urbana.

Mas como se vem percebendo, visão e estratégia de desenvolvimento a longo prazo para o concelho, é coisa que não se vislumbra. O exemplo da área da antiga Fábrica Brandão Gomes. Anos a fio ao abandono, a pensar o que fazer, a mexer aqui e ali, resultando numa manta de retalhos com intervenções pontuais e casuísticas. Agora, parte dos terrenos servem de muleta para equilibrar o orçamento municipal, através da consagração de uma receita proveniente de uma eventual venda desses terrenos. Ora, se a Câmara sabe verdadeiramente o que vai fazer, e não quer vender os terrenos, anda mal, em termos financeiros, a socorrer-se de um subterfúgio inscrevendo uma receita que sabe à partida que não a vai ter. Se a Câmara pretende vender os terrenos, anda igualmente mal porque confirma que não tem nem é mobilizadora de uma intervenção qualificadora de conjunto. No caso de a Câmara vender os terrenos e tiver em mente determinada intervenção que ainda se desconhece, enquadrada numa espécie de agenda oculta, então é duplamente grave.

Importa também endereçar alguns apontamentos críticos a certas intervenções durante a Assembleia, às quais não se pode de modo algum ficar alheio.

Certo vogal veio a terreiro defender a obra do timoneiro, sustentando a sua defesa em referências às características hidrográficas e hidrogeológicas em presença, falando no desenvolvimento, no sub-solo, de bacias hidrográficas, quando devia querer falar em aquíferos, lençóis freáticos, níveis freáticos ou superfícies piezométricas, ou até querendo referir-se às características de percolação e de permeabilidade. Para avalizar a sua opinião, exprimiu um princípio válido, segundo o qual, como arquitecto, e urbanista, não iria defender a alteração de linhas de água. Aqui ocorre em dois equívocos. Primeiro, a referência à formação e à actividade profissional para valorizar a sua opinião não pode ser totalmente considerada como avalizadora da mesma, uma vez que é claro que o vogal socorre-se de um princípio para sustentar uma opinião política já tomada, e não toma a opinião política baseada no princípio que refere. Segundo, se o vogal admite como válido aquele princípio, como arquitecto, também não devia admitir intervenções prejudiciais do ponto de vista do desenho urbano e da criação de barreiras urbanísticas. Mais a mais, em urbanismo é como na culinária: tem que ser q.b. Finalmente, num provincianismo considerável, defende que o túnel é uma forma de colocar Espinho no mapa, pois passará a contar com o maior túnel ferroviário do país! Sr. vogal, eu defendo um túnel ainda mais longo! Devia era estar de acordo comigo! Seguindo o seu raciocínio, eu coloco ainda mais Espinho no mapa! Sabe que em Viseu bateram o record do Guiness do maior pão com chouriço do mundo? Mas logo a seguir em Vagos fizeram um pão com chouriço ainda maior e ficaram com o record! É melhor prevenir que remediar! Temos de impedir que alguém venha a seguir e faça um túnel ferroviário ainda maior!?

Um outro vogal, veio ‘relembrar’ que a obra não era da Câmara, era da REFER. E questionava-se se a REFER teria de fornecer a informação sobre o projecto. Ao que ele próprio respondeu: era o que faltava! E acrescentou: era o que mais faltava se agora fossemos às empresas pedir informações sobre elas!
A Câmara e a REFER assinaram um protocolo visando levar a cabo o projecto em debate. Este é um projecto conjunto, e é óbvio que a Câmara tem um papel importante, e tem de responder por isso. Ainda que haja total separação e autonomia no que a cada instituição ficou atribuído executar, a Câmara poderá não ter obrigação formal, mas tem obrigação moral e política de zelar pelos melhores interesses dos seus munícipes e de interceder junto da REFER, e de outras instituições julgadas necessárias, já para não falar que a obra decorre em território do Concelho de Espinho. Já quanto ao acesso à informação, o sr. vogal não deve estar a viver no tempo em que está! Então a Constituição Portuguesa não prevê o direito de acesso a documentos administrativos (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, Lei 65/93, de 26 de Agosto, alterada pelas Leis 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho) e o direito de acesso à informação procedimental (Código do Procedimento Administrativo, DL 32/91, de 20 de Julho, alterado pelo DL 34/95, de 18 de Agosto)? No âmbito dos documentos administrativos, inscrevem-se as instruções, processos, relatórios, dossiers, pareceres, actas, autos, ordens de serviço, estudos e estatísticas, em quaisquer suportes (gráfico, sonoro, visual ou informático). São abrangidos por este regime os órgãos do Estado com funções administrativas e as entidades que, embora sejam formalmente privadas, exerçam poderes de autoridade, incluindo a REFER. Mesmo na actividade exclusivamente privada existem regulamentações que obrigam à publicitação de várias informações. Está tudo explicado. Com atitudes ditatoriais dessas, não é preciso demonstrar mais nada sobre a verdadeira postura neste processo: é o quero, posso e mando! É caso para dizer: era o que faltava!

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segunda-feira, 10 de outubro de 2005

pós eleições

ele há fases em que decididamente vamos na torrente e na enxurrada dos acontecimentos, sem freios e sem tempos para reflectir, e as decisões são tomadas a cada momento que passa, sem que tenhamos a consciência de que a cada instante acabamos de tomar uma decisão, omitindo a completa existência de consequências dessas mesmas decisões.

não é que não seja sempre assim, em que somos levados pelos acontecimentos, e não os conduzamos nós próprios. mas aqui parece-me haver um grande equívoco, porquanto entendo que a margem de manobra na condução dos acontecimentos é mínima. por vezes, convencemo-nos de que teremos tal poder de dirigir o veículo da existência. vive-se no paradigma da modernidade e da tecnologia, onde está disseminado o entendimento de que o homem atingiu tal estado de evolução e conhecimento de que domina o seu destino, a natureza, e as suas manifestações nas mais variadas formas. não me parece que seja assim, aliás como se tem comprovado com inúmeros casos ocorridos neste ano (este e este, por exemplo). mas esse tema é para outras conversas.

serve este intróito para contextualizar o facto, ou os factos recentes, em que sem que algo o fizesse prever, me tenha envolvido numa candidatura aos órgãos autárquicos do concelho de espinho. não tive qualquer pejo em aceitar este desafio. para mais quando me é característica esta força intrínseca de um entendimento de uma postura aberta à participação nas suas mais variadas formas. mas também não se pense que abracei este desafio só porque sim. tratava-se de uma candidatura independente, ou talvez seja melhor dito, apartidária, onde procurei garantias de independência e de respeito pela individualidade e pela participação activa, que se vieram a verificar: tive oportunidade e espaço para expressar e defender as minhas ideias, mesmo que diferentes de outros membros das listas, contribui decisivamente para a construção dos princípios gerais programáticos da candidatura e para o programa eleitoral, participei em acções de campanha, e representei o movimento no único debate ocorrido com a presença de todas as forças candidatas à câmara municipal.

quando já tudo aconteceu: pré-campanha, campanha, votação, e quando já são conhecidos os resultados, tornava-se imperioso transmitir aqui alguma reflexão sobre o tempo decorrido, para além dos flashes telegráficos que aqui fui deixando. é nesse sentido que escrevo estas linhas.

muitas coisas poderia eu dizer sobre a participação numa (nesta) lista, sobre as eleições, sobre a campanha, sobre a percepção pública, etc. etc. mas não pretendo, neste espaço, ser exaustivo nessa elencagem.

existem, no entanto, elementos que de um modo genérico são representativos dos actuais tempos de vivência sócio-política e do estado de desenvolvimento da cidadania em portugal.

esta experiência mostrou, pelo menos neste caso específico, que a abertura para movimentos apartidários é mínima, numa vida política arregimentada pelos partidos que não abrem espaço à verdadeira discussão dos temas que interessam às comunidade, antes colocando as eleições num patamar competitivo do género desportivo ou clubístico, em que não importam necessariamente as ideias, mas o ‘clube partidário’. em boa verdade, não foi uma grande surpresa, foi mais a constatação verídica da sua existência, e em boa medida a verificação de uma incapacidade de mudança.

fala-se amiúde do modo como se conduzem as campanhas políticas em portugal. sempre tive o entendimento de que as principais forças políticas e as suas figuras mais destacadas tinham e têm o dever de levar a cabo campanhas positivas. após esta experiência, vi-me obrigado a perspectivar as campanhas eleitorais de um outro ponto de vista: não é possível, em portugal, e nesta conjuntura, conduzir campanhas eleitorais, ditas ‘elevadas e decentes’: a população (está bem, pronto: uma grande fatia da população) pura e simplesmente não quer discutir nada, quer é festança e arruaça! também aqui, não revelo toda a minha ingenuidade, pois quanto a este aspecto, como costumo dizer: o ‘povo’ tem aquilo que merece e que escolhe!

daí que não seja nada apologista, e talvez fundamentalista nessa luta contra a ideia disseminada no português comum que culpa e/ou responsabiliza os políticos e todos os dirigentes da nação, ou até mesmo da colectividade mais insignificante, por todos os males e mais algum, sem que esses mesmos indivíduos mexam uma palha que seja para alterar a situação! mas adiante que o texto já vai longo.

só para exemplificar, acho extremamente inacreditável como indivíduos literalmente guerreiam pela ‘oferta’ de uma banal esferográfica, isqueiro, boné ou t-shirt. já nesse nível acho um pouco exagerado, mas dá mesmo a sensação de que necessitam impreterivelmente da ‘oferta’ de tais objectos, parecendo que as suas vidas dependem decisivamente desse facto. só visto! (depois admirem-se que nos estamos a afastar da europa, que os países do leste nos estão a ultrapassar, que ganham pouco, etc etc… admirem-se, admirem-se…)

há também o reconhecimento e a verificação da existência de múltiplas e mais variadas razões e combinações de razões que levam os indivíduos a produzirem as suas opções no que respeita ao sentido do voto, desde as mais mesquinhas, às mais documentadas e sustentadas com base na racionalidade das opções políticas em jogo. não que seja nada de novo. cada indivíduo encerra em si uma escolha e uma multiplicidade de elementos concorrentes para essa mesma escolha, diferenciados aos demais indivíduos. haverá sempre razões mais ou menos genéricas e comuns ou transversais. mas na verdade, dá vontade de rir quando se ouvem os comentadores políticos do alto das suas poltronas, ou até mesmo os senhores eleitos, ou os não eleitos, a analisarem os resultados finais como se de um bolo único aqueles votos tivessem resultado e que signifiquem que todos os que conduziram a um determinado quantitativo eleitoral expressaram a mesma razão ou leitura que fazem com esses valores.

bem, escrevo, escrevo, escrevo, mas ainda não disse nada quanto aos resultados. perdoem-me a sinceridade, mas como se verifica pela quantidade de votantes no movimento força espinho, os resultados foram algo decepcionantes. sim, sem dúvida que há uma série de atenuantes, e razões mais ou menos objectivas que terão contribuído para que a fasquia não pudesse ser muito elevada. ainda assim, foi decepcionante. tenho no entanto que salvaguardar e contextualizar a minha posição e a minha esperança anterior à votação sobre o resultado que entendia ser possível. esperava um resultado assombroso? não esperava. esperava ser eleito? não esperava? então? entendia que fosse possível eleger um elemento para a assembleia municipal e até dois elementos para a assembleia de freguesia de silvalde. e para a câmara municipal? não, de todo.

os resultados? ditaram apenas a eleição de um representante na assembleia de freguesia de silvalde, num cenário em que o vencedor obteve maioria absoluta.

em todo o caso, caracterizo esta como uma experiência enriquecedora, pedagógica e de grande aprendizagem. ressalvo também a postura global que a candidatura assumiu, conduzindo uma campanha séria e dedicada. saliento a importância da capacidade de apresentar e divulgar um programa eleitoral amplo, construído de base, e com propostas valiosas.

fechando o círculo, voltando ao intróito, os acontecimentos podem ocorrer a um ritmo demasiado rápido, como que escapando ao controlo, no sentido de parecer que não se tem rédeas no caminho a seguir. julgo que nesse particular, é importante é a cada momento saber onde se está, ou talvez mais importante ainda, não se saber para onde se vai, mas saber para onde não se deve ir:

não sei por onde vou,
não sei para onde vou
sei que não vou por aí!
josé régio