segunda-feira, 10 de outubro de 2005

pós eleições

ele há fases em que decididamente vamos na torrente e na enxurrada dos acontecimentos, sem freios e sem tempos para reflectir, e as decisões são tomadas a cada momento que passa, sem que tenhamos a consciência de que a cada instante acabamos de tomar uma decisão, omitindo a completa existência de consequências dessas mesmas decisões.

não é que não seja sempre assim, em que somos levados pelos acontecimentos, e não os conduzamos nós próprios. mas aqui parece-me haver um grande equívoco, porquanto entendo que a margem de manobra na condução dos acontecimentos é mínima. por vezes, convencemo-nos de que teremos tal poder de dirigir o veículo da existência. vive-se no paradigma da modernidade e da tecnologia, onde está disseminado o entendimento de que o homem atingiu tal estado de evolução e conhecimento de que domina o seu destino, a natureza, e as suas manifestações nas mais variadas formas. não me parece que seja assim, aliás como se tem comprovado com inúmeros casos ocorridos neste ano (este e este, por exemplo). mas esse tema é para outras conversas.

serve este intróito para contextualizar o facto, ou os factos recentes, em que sem que algo o fizesse prever, me tenha envolvido numa candidatura aos órgãos autárquicos do concelho de espinho. não tive qualquer pejo em aceitar este desafio. para mais quando me é característica esta força intrínseca de um entendimento de uma postura aberta à participação nas suas mais variadas formas. mas também não se pense que abracei este desafio só porque sim. tratava-se de uma candidatura independente, ou talvez seja melhor dito, apartidária, onde procurei garantias de independência e de respeito pela individualidade e pela participação activa, que se vieram a verificar: tive oportunidade e espaço para expressar e defender as minhas ideias, mesmo que diferentes de outros membros das listas, contribui decisivamente para a construção dos princípios gerais programáticos da candidatura e para o programa eleitoral, participei em acções de campanha, e representei o movimento no único debate ocorrido com a presença de todas as forças candidatas à câmara municipal.

quando já tudo aconteceu: pré-campanha, campanha, votação, e quando já são conhecidos os resultados, tornava-se imperioso transmitir aqui alguma reflexão sobre o tempo decorrido, para além dos flashes telegráficos que aqui fui deixando. é nesse sentido que escrevo estas linhas.

muitas coisas poderia eu dizer sobre a participação numa (nesta) lista, sobre as eleições, sobre a campanha, sobre a percepção pública, etc. etc. mas não pretendo, neste espaço, ser exaustivo nessa elencagem.

existem, no entanto, elementos que de um modo genérico são representativos dos actuais tempos de vivência sócio-política e do estado de desenvolvimento da cidadania em portugal.

esta experiência mostrou, pelo menos neste caso específico, que a abertura para movimentos apartidários é mínima, numa vida política arregimentada pelos partidos que não abrem espaço à verdadeira discussão dos temas que interessam às comunidade, antes colocando as eleições num patamar competitivo do género desportivo ou clubístico, em que não importam necessariamente as ideias, mas o ‘clube partidário’. em boa verdade, não foi uma grande surpresa, foi mais a constatação verídica da sua existência, e em boa medida a verificação de uma incapacidade de mudança.

fala-se amiúde do modo como se conduzem as campanhas políticas em portugal. sempre tive o entendimento de que as principais forças políticas e as suas figuras mais destacadas tinham e têm o dever de levar a cabo campanhas positivas. após esta experiência, vi-me obrigado a perspectivar as campanhas eleitorais de um outro ponto de vista: não é possível, em portugal, e nesta conjuntura, conduzir campanhas eleitorais, ditas ‘elevadas e decentes’: a população (está bem, pronto: uma grande fatia da população) pura e simplesmente não quer discutir nada, quer é festança e arruaça! também aqui, não revelo toda a minha ingenuidade, pois quanto a este aspecto, como costumo dizer: o ‘povo’ tem aquilo que merece e que escolhe!

daí que não seja nada apologista, e talvez fundamentalista nessa luta contra a ideia disseminada no português comum que culpa e/ou responsabiliza os políticos e todos os dirigentes da nação, ou até mesmo da colectividade mais insignificante, por todos os males e mais algum, sem que esses mesmos indivíduos mexam uma palha que seja para alterar a situação! mas adiante que o texto já vai longo.

só para exemplificar, acho extremamente inacreditável como indivíduos literalmente guerreiam pela ‘oferta’ de uma banal esferográfica, isqueiro, boné ou t-shirt. já nesse nível acho um pouco exagerado, mas dá mesmo a sensação de que necessitam impreterivelmente da ‘oferta’ de tais objectos, parecendo que as suas vidas dependem decisivamente desse facto. só visto! (depois admirem-se que nos estamos a afastar da europa, que os países do leste nos estão a ultrapassar, que ganham pouco, etc etc… admirem-se, admirem-se…)

há também o reconhecimento e a verificação da existência de múltiplas e mais variadas razões e combinações de razões que levam os indivíduos a produzirem as suas opções no que respeita ao sentido do voto, desde as mais mesquinhas, às mais documentadas e sustentadas com base na racionalidade das opções políticas em jogo. não que seja nada de novo. cada indivíduo encerra em si uma escolha e uma multiplicidade de elementos concorrentes para essa mesma escolha, diferenciados aos demais indivíduos. haverá sempre razões mais ou menos genéricas e comuns ou transversais. mas na verdade, dá vontade de rir quando se ouvem os comentadores políticos do alto das suas poltronas, ou até mesmo os senhores eleitos, ou os não eleitos, a analisarem os resultados finais como se de um bolo único aqueles votos tivessem resultado e que signifiquem que todos os que conduziram a um determinado quantitativo eleitoral expressaram a mesma razão ou leitura que fazem com esses valores.

bem, escrevo, escrevo, escrevo, mas ainda não disse nada quanto aos resultados. perdoem-me a sinceridade, mas como se verifica pela quantidade de votantes no movimento força espinho, os resultados foram algo decepcionantes. sim, sem dúvida que há uma série de atenuantes, e razões mais ou menos objectivas que terão contribuído para que a fasquia não pudesse ser muito elevada. ainda assim, foi decepcionante. tenho no entanto que salvaguardar e contextualizar a minha posição e a minha esperança anterior à votação sobre o resultado que entendia ser possível. esperava um resultado assombroso? não esperava. esperava ser eleito? não esperava? então? entendia que fosse possível eleger um elemento para a assembleia municipal e até dois elementos para a assembleia de freguesia de silvalde. e para a câmara municipal? não, de todo.

os resultados? ditaram apenas a eleição de um representante na assembleia de freguesia de silvalde, num cenário em que o vencedor obteve maioria absoluta.

em todo o caso, caracterizo esta como uma experiência enriquecedora, pedagógica e de grande aprendizagem. ressalvo também a postura global que a candidatura assumiu, conduzindo uma campanha séria e dedicada. saliento a importância da capacidade de apresentar e divulgar um programa eleitoral amplo, construído de base, e com propostas valiosas.

fechando o círculo, voltando ao intróito, os acontecimentos podem ocorrer a um ritmo demasiado rápido, como que escapando ao controlo, no sentido de parecer que não se tem rédeas no caminho a seguir. julgo que nesse particular, é importante é a cada momento saber onde se está, ou talvez mais importante ainda, não se saber para onde se vai, mas saber para onde não se deve ir:

não sei por onde vou,
não sei para onde vou
sei que não vou por aí!
josé régio

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