quinta-feira, 2 de março de 2006

Enterramentos e Desenterramentos (parte III)

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Para finalizar esta sequela de textos sobre o decurso da Assembleia Extraordinária, não se pode passar incólume sobre o pormenor, que no caso toma dimensões de por maior, avançando publicamente que o almejado prolongamento do enterramento da linha férrea acarretaria um acréscimo nos custos no valor de 25 milhões de contos! A que se somaria o valor da obra actual, avaliada entre 12 a 15 milhões de contos, no total, então de 37 a 40 milhões de contos.

Mais uma vez, o sr. Presidente tem de explicar esta fuga para a frente, tentando a todo o custo silenciar os que pensam e admitem um projecto diferente, através das mais baixas manobras, lançando publicamente um valor sem qualquer sustentabilidade assente em qualquer tipo de análise, quer técnica, quer financeira. Está claro, sr. Presidente, que ninguém acredita nos valores que indicou! Ainda mais quando tem a desfaçatez de, posteriormente num outro momento, ‘esclarecer’ que o valor advém de cálculos efectuados pelo próprio, contando com a ajuda de técnicos da REFER.

De novo, o problema é que se partiu de uma base errada. Partiu-se de uma situação em que nunca se tiveram verdadeiramente em conta as diferentes alternativas que se colocavam, nem nunca foram consideradas variantes aos projectos, nem realizados os respectivos estudos de custos/benefícios associados a cada alternativa em causa.

Convém relembrar que esta análise custos/benefícios deveria ter tido em conta não só os aspectos técnicos e financeiros imediatos, mas também os custos de oportunidade de realização inerentes a cada uma das alternativas. Só desta maneira seria possível pesar e quantificar, na medida do possível, os efeitos positivos e nocivos associados a cada eventual proposta, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista da facilitação ou dificultação do maior ou menor desenvolvimento das dinâmicas sociais e humanas, e do desenvolvimento urbano da área envolvente.

Ou seja, ainda que o prolongamento possa sair ‘mais caro’ do ponto de vista estritamente financeiro e contabilístico da execução física da obra em si, esses custos poderão ser inferiores aos custos não contabilizados no âmbito do projecto actual, e que se referem aos seus efeitos negativos, à necessidade de obras complementares para diminuir tais efeitos, e aos enormes e gravíssimos custos sociais, não avalizados nem internalizados no custo do actual projecto, referentes à repartição e incremento do isolamento de partes de cidade, e aos custos sociais correspondentes. Isto é, não se está a ter em conta o facto de não se estar a construir cidade, a interligação e intercomunicabilidade entre as suas diferentes áreas integrantes, mas antes o processo oposto à construção de cidade.

Chegados aqui, neste actual processo, atingiu-se uns tais sentimentos de descrédito que mesmo que agora surjam todos e quaisquer estudos, estes serão sempre alvo da maior suspeita. Não é caso para menos. Se até ao momento a dificuldade foi enorme em justificar prontamente e autenticamente o projecto em curso em detrimento de outras opções, o mais certo é acontecer que, como é hábito, surjam precisamente os documentos certos.

Relembro aqui a magnífica série ‘Yes, Minister / Sim, Sr. Ministro’, em que a episódio tantos o dedicado ‘public servant’ sir Humphrey Appleby se dirige ao Ministro indicando-lhe que para obter os ‘resultados certos’ da realização de determinados estudos e avaliações, o que teria de fazer era acertadamente contratar as ‘pessoas certas’.

Mas desta Assembleia há claramente uma grande conclusão a reter. É a de que este projecto se tornou mais importante para o sr. Presidente do que para Espinho e para os espinhenses. Chamando a si um processo que, inicialmente, julgava mais acessível do que o que se veio a revelar, viu-se depois embrenhado num processo de ramificações e de necessidades discutíveis, comprometendo-se de tal forma, mesmo a nível individual, com o resultado final, que não teve outro remédio que não fosse empenhar-se a fundo, e ao fim e ao cabo, perante a dificuldade viu-se obrigado a aceitar o que lhe deram, mesmo que não servisse os interesses de Espinho. Mas servia os seus interesses. É que rejeitar este enterramento lhe custaria muito caro politicamente, sabendo que todos lhe cobrariam a falha de não ter conseguido. Mais do que a questão do enterramento, era a questão da sua afirmação / confirmação política. Foi isto que o sr. José Mota, Presidente da Câmara Municipal de Espinho disse na sua longa intervenção na noite de quinta-feira em que se realizou a malfadada reunião.

Sr. Presidente da Câmara, o desenvolvimento de Espinho é mais importante do que o futuro imediato e particular de que qualquer um de nós!

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